(Ler ouvindo Canção pra não voltar - A banda mais bonita da cidade)
Tem hora que eu me sinto sozinha pra caralho. Desse jeito mesmo, assim, com palavrão, estúpido. Porque é uma solidão daquele tipo que sufoca, que dá vontade de sair gritando, como se gritar fosse diminuir o vácuo, fosse melhorar a ânsia, fosse tirar o peso dos ombros que tem empurrado o peito pra dentro. Como eu sei que gritar não vai diminuir e nem tirar nada, eu fico quieta. É triste ver que não existe um fiho da puta pra dar jeito nisso. Não existe uma criatura que enxergue além do meu teatro ruim de pessoa otimista e veja que eu estou quase caindo num poço que eu não faço idéia de onde seja. Não existe um maldito ser que me faça sentir menos louca ou extraterrestre, por sentir tanta dor mesmo sem ninguém ver a ferida. Eu sou louca, sim. Porque eu sinto de verdade e dói de verdade. Eu sou louca porque eu posso fingir pra todo mundo que não sinto medo nenhum, mesmo quando eu estou tremendo por dentro assustada comigo mesma. Eu sou uma mulher que não cresceu por dentro. Eu sinto dores infantis. O escuro me assusta e eu não consigo me mexer. Eu abraço um urso de pelúcia na esperança de ele ter super poderes. Eu sorrio com desenhos. Eu sofro muito nesse mundo de gente grande, porque ninguém mais quer brincar comigo. E porque o único jogo que existe pros outros é o de sentimentos. Eu já tentei brincar assim, confesso que fui bem, é facil, não tem regras nem punições, é só diversão. O problema é que eu fico pensando no que acontece depois que a brincadeira acaba, alguém sempre acaba chorando e o alguém sou sempre eu. Não gosto disso, eu não sou dessa classe. Na minha turma a gente gosta porque gosta, porque acha bonito o jeito do outro e respeita mesmo o que não é bem a nossa cara. Acontece que na minha turma só tem eu. E tá dificil gostar das pessoas sendo que nenhuma delas mostra a cara. Eu não sei gostar de máscaras. Elas me assustam. Eu sei que pareço louca quando tento explicar isso e mais louca ainda quando vivo nessa teoria, mas pra mim é o melhor assim. Tá dificil ser criança num mundo onde nem as crianças são infantis. Eu choro muito e meus olhos ardem, porque a vida tá muito grande e eu to muito pequena. A verdade sumiu e eu não acho ela em lugar nenhum. Não tem mais lugar no mundo pra mim, mas os adultos são burros e ninguém enxerga que mesmo assim eu continuo aqui, deslocada. Sozinha. Pra caralho. Sem poder rir quando eu quero, nem ninguém pra dividir as lições de casa. O mundo quer me tornar adulta na base da dor, porque o tempo não conseguiu resolver meu problema. Eu vejo os adultos robôs que fazem o que não querem e gostam do que não gostam e convivem com quem não se interessam e tenho um medo absurdo de ser esse meu fim. Eu tenho medo de deixar de sentir. Eu tenho medo de ver que o amor é só mais uma palavra e que não existe porra de magia nenhuma. Eu sou uma criança assustada num canto rindo das próprias piadas e amando os próprios brinquedos. Enquanto o mundo continua girando, frio, sem graça e os adultos sempre assim, um almejando o brinquedo do outro.