sábado, 28 de setembro de 2013

Deixa.



  (Ler ouvindo O meu amor - Chico Buarque)

Você sabe que eu odeio pedir. Sabe que fico toda sem graça, que não sei como começar a falar e acabo falando tudo de uma vez, daquele jeito que você mal entende o que eu digo, porque falo uma palavra por cima da outra, atropelando o sentido delas. Você sabe que eu adoro quando você faz o que eu peço. E te abraço, olhando pros teus olhos enquanto sorrio e te beijo de mansinho. Você sabe coisas demais, sobre mim. Sabe da minha vontade de sempre ficar cinco minutinhos a mais com você e de estar pronta, sempre cinco minutinhos antes de te ver. Você sabe minhas pintinhas do rosto, de cor. Você sabe o meu sorriso. Sabe onde tenho arrepio e onde sinto prazer. Você sabe minha existência, como ninguém. Mas você não sabe que tenho uma lista de coisas pra te pedir, hoje. E eu vou falar uma por uma, sem atropelar as palavras ou esconder a cara na almofada. Eu quero te pedir pra nunca deixar de sorrir, enquanto você me olha e acha que eu não to te vendo. Acho que é o momento da minha vida em que eu mais me sinto bonita. Eu quero te pedir, pra nunca deixar de ser teimoso e chato, do jeito que você é. Eu não iria te amar tanto, se eu não me irritasse com você a cada meia hora. Eu quero te pedir pra sempre me deixar sem graça e falar aquelas bobagens que você diz, rindo. Eu quero te pedir pra parar de tentar fazer ovo mexido, porque você sempre poe pimenta ou sal demais. Ou as duas coisas. Eu quero também, que você sempre esqueça de coisas importantes pra que eu possa te lembrar e ouvir você dizer que não seria nada sem mim. Mesmo que isso soe exagerado. Eu quero que você nunca se canse de me agarrar, pelos cantos da casa. Quero te pedir pra não perder essa voz mansa, que fala meio dormindo que não tá dormindo, não. Tá só curtindo meu abraço. E eu sei que tá dormindo, mas eu concordo mesmo assim. Eu quero que você compre um despertador mais potente e que pare de me fazer cócegas. É mentira, eu não quero, não. Eu quero que pare de dizer 'Mentira!' quando eu digo algo que te irrita. Porque isso me irrita mais ainda e você sabe disso. Eu peço que você nunca deixe de enxergar em mim, a mulher que as vezes, nem eu enxergo. Eu peço que você tenha sempre paciência pras minhas TPM's e pros meus exageros. Eu quero pedir pra você ficar sempre sério, quando estou rindo porque fica ainda mais engraçado, seja lá o que for. E que sempre ria, quando eu estiver séria, porque eu nunca resisto ao seu riso. Quero que entenda que não ligo se engordou cinco quilos ou se fez a barba, eu sempre vou amar o seu sorriso quadrado e os seus olhos de menino. Eu quero te pedir, pra nunca ir embora. Do jeito que eu pedi, quando você disse que ia. Eu te peço pra não me deixar, nunca. Porque sem você, eu teria aquele vazio que eu tive a vida toda, de ter tanta gente, tantas histórias e tantos verões, mas nunca sentir nada. Nunca sentir vontade de ficar um pouco mais. Com você, eu senti vontade de ficar pra sempre. Com você, eu me perco numa saudade que não dura dois dias. Diz pra mim, que não importa se eu estiver de salto ou com seu moletom, diz que vai me amar e pronto. Diz que meu passado não importa e que as nossas vírgulas são pra dar um charme na nossa história. Deixa eu dizer pra você sair de perto de mim, enquanto te abraço forte no sofá e você ri. Deixa eu ser assim, toda artista e achar que sei de tudo. Deixa eu te amar, do jeito que eu sei. Deixa eu te fazer rir, encostar em você e te beijar o pescoço enquanto você vê tv. Deixa a gente ser sempre assim? 
Deixa esse nosso amor ser a coisa mais bonita que já me aconteceu. 
Deixa esse amor virar história, nos meus versos. 
Deixa? Você sabe que eu odeio pedir. Deixa, vai.










terça-feira, 24 de setembro de 2013

Sobre as coisas que não cabem aqui dentro.



(Ler ouvindo Cegos do Castelo - Nando Reis)

Como quem faz uma faxina num armário velho, eu fui me desfazendo aos poucos de tudo que estava por aqui, mas que não me acrescentava. E mesmo com a dificuldade em lidar com pó, eu fui firme. Joguei tudo fora. Aos poucos, para que o vazio não me assustasse. O que fica, é o essencial. São pessoas, bem poucas. Simples, bonitas, de alma clara e de verdade. Ficam as lembranças boas, de tudo que já foi. Os aprendizados, os professores. As lutas, as vitórias. As derrotas que me fizeram crescer. O que fica é o que importa. É o que cabe dentro de mim, sem apertos. O que vai já não tinha nome. O que vai são objetos antigos e poeira. Velharia. Deixei do lado de fora de casa, tudo que eu acho que servirá algum dia pra alguém. Mas o que já me trouxe dor, eu joguei direto no lixo. Como uma terapia, um momento de despedida a todo aquele sofrimento antigo, sem valor. Depois me lavei, como se a água por fora conseguisse limpar qualquer resto da poeira que restasse por dentro. E depois disso dormi. Dormi como quem fez um esforço braçal tremendo. Dormi pra tirar todo o peso do sentimento que foi embora. Só quem já esvaziou o coração, sabe o barulho do vento no vácuo, na curva. E eu sei... Sei que ainda vou repetir esse processo muitas vezes, pois quem muito viaja, muitos suvenires compra. E na hora eles parecem bonitos, mas de beleza a gente se enjoa. No fim, tudo vai parar no armário de tralhas. Além das roupas velhas, vestígios de quem já foi, pedaços de história e tudo que o vento soprou pro lado de cá. As lembranças vão sempre ficar, mas o espaço... o espaço é preciso estar limpo. Peço desculpa se te deixei pra trás em alguma delas, mas foi preciso. Meus olhos preferem olhar sempre em frente.
A viagem é longa e o bagageiro pequeno. Avante!










terça-feira, 17 de setembro de 2013

De mim.


(Ler ouvindo Hey Jude - Paul McCartney)


Eu tenho manias estranhas, talvez você nem saiba. Pouca gente sabe. Eu tenho o costume de olhar as estrelas, a noite. Deitar no chão da garagem e contar os pontos brilhantes do céu. As vezes, vejo até estrelas cadentes, sempre faço um pedido. Aliás, você já foi um pedido pra uma dessas estrelas. E você veio, mesmo. Tenho mania de decorar poesias e nomes de rua. Eu sou um tanto louca, eu sei. Mas quem não é? Eu costumo me sentir pesada, quando chove. Como se a chuva caísse lá fora e inundasse aqui dentro. Eu tenho fantasmas, que aparecem as vezes. Alguns deles tem nomes, outros eu prefiro que não tenham. Alguns me tiram pra dançar, no meio da noite. Outros sentam ao meu lado e esperam que eu durma. Eu falo muito sozinha. Acho que tem a ver com minha infância, eu sempre fui muito sozinha. "Criança que é sozinha, acaba virando adulto de alma sensível", o terapeuta disse pra minha mãe há alguns anos. Meu avô dizia que tenho alma de artista. Uma vez, uma cigana disse que tenho alma de borboleta. Eu, na verdade, não sei. Sei que tenho alma, sei que ela dói as vezes. Não é fácil ser coração em mundo de tecnologia avançada. Não sei ser meio termo, não sei beber leite morno, nem abraçar com um braço só. Eu amei você, desde que eu te vi. Só que eu não sabia amar. E nem sabia dessas voltas que a vida dá. Eu sei que tenho cara de quem sabe tudo, mas não sei. Eu sei falar sobre arte, sobre política e religião. Mas o amor é um mistério, pra mim. Eu sinto ele em cada célula, do meu corpo. Mas não consigo explicar, nem pra mim e nem pra você. Eu já tive medo da vida. Hoje, não sinto medo nem mesmo da morte. Sei que a vida é uma estrada sem volta, sem espaço pra voltas ou retrocessos. Todo dia é uma dádiva. E o milagre sou eu, é você, somos nós. Acredito em Deus. Acho que ele acredita em mim, também. E é isso que me motiva a seguir em frente. Ter fé é essencial, pra vida. É outra das minhas manias, ter sempre fé. Mesmo quando dá tudo errado e parece que não vai dar pé. Mesmo quando a coisa tá preta, sabe? Sempre tem uma luz. Sempre tem um jeitinho. Falando francamente, não sou  das melhores pessoas que já conheci. Nem das mais bonitas. Mas sou de verdade, entende? E se você quiser ficar, eu juro que vou ser sempre de verdade. Eu juro que vou ser sempre amor. Mesmo que doa, mesmo que no final eu fique sozinha. E se você for embora, eu vou arranjar um jeito de pintar a vida de outra cor. Vou encher a casa de flores diferentes e mudar os discos da vitrola. Mas eu não quero pensar nisso. Eu quero é pensar no agora. No hoje. O amanhã é lindo, justamente porque é um a folha em branco. E você sabe que eu não resisto, eu adoro escrever. Acho que fazer história é minha missão. É minha mania mais estranha e minha sina. Escrever é me livrar dos fantasmas. É dançar sozinha pela casa, ouvindo meu jazz. Escrever é descobrir, porque só quando escrevo tenho noção de quem sou. Sensível, artista e borboleta.










quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A gente.

(Ler ouvindo Toda forma de amor - Lulu Santos)

O meu melhor amigo, foi meu primeiro amor. Ou o meu primeiro amigo, foi meu melhor amor. Não sei ao certo... Somos maiores do que esses status, ele diz com o peito estufado, enquanto tomamos café, numa padaria cara. Não nos vemos sempre, porque nossas rotinas não permitem e porque a liberdade faz parte do nosso amor. Ele tem aquele cabelo bagunçado, que dá vontade de bagunçar mais e sempre implorei pra que ele não corte, porque aquele ar de menino faz parte dele. Ele nunca se importa se estou de chinelo ou salto, sempre me abraça com aquele cheiro de perfume que eu já senti em mil homens, mas que só fica bom nele. E falamos sobre tudo. Sentamos num restaurante chique, na guia da calçada, num banco de praça, num teatro ou como sempre foi, no banco da escola. Sim, desde a época em que eu não tinha curvas e ele não tinha altura. A gente sentava e ria. E olha que tentamos de tudo. Namorar, afastar, separar, brigar, ser somente bons amigos. Mas nada funcionou. A verdade é que somos pra sempre assim, livres. A pureza dos olhos dele combina com a minha ironia explícita. E os braços dele tem a medida certa das minhas costas. A nossa risada é idêntica, é fácil, sem medo. Ele não foi meu primeiro namorado, nem eu a grande mulher da vida dele. Mas somos aquela parte calma do sentimento. A leveza, o carinho, a dedicação. Somos a paz de termos um ao outro. Pra uma tarde de compras chata ou a grande inauguração da peça que ele ajudou a produzir. Pra me dar a mão e me fazer rir, enquanto o mundo desaba lá longe. E eu o amo, porque ele nunca vai embora. E mesmo quando vai, me deixa com a sensação de que não foi. E quando nos vemos de novo, é como se ele realmente tivesse ficado. Ele prefere Rita Lee, eu gosto mais do Baleiro. Ele usa óculos e eu deveria, mas não uso. Ele inventa palavras, canta, atua e dança. Eu escrevo. Lembro ainda, do dia que eu falei aflita pra ele, em uma de nossas crises “Amor não basta, eu preciso que cuide mais de mim, preciso que se importe”. E nós choramos. E depois rimos desavergonhados de todo aquele absurdo que tínhamos encenado. E continuamos juntos. Separados. Longe, perto. Sem cobrança, sem status, sem nome nem sobrenome. Sem alianças, nem promessas. Apenas presença e sentimento. Ausência e saudade. Achei outro dia um texto que ele me escreveu, me descrevendo como um mar, ironia cara e indiferença, absoluta, doce, clara. E mesmo me vendo descabelada, com cara de sono, olhos marcados de choro, uniforme escolar, vestido de formatura, alianças de outros no dedo, cabelo curto, comprido, médio, loiro, escuro... Ele sempre me viu por dentro, sempre viu o invisível. Entendi o poder do nosso sentimento, do nosso elo. Ri de novo, lembrando do meu desespero, dizendo que amor não bastava. Amor basta, sim. Sempre nos bastou. É só o que basta.







quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Mais uma carta pra você.

(Ler ouvindo Sometimes You Can't Make it On Your Own - U2)



Oi vô,

To te escrevendo, porque hoje é uma data mórbida demais e eu precisava falar de coisas boas. Eu precisava tanto falar com você, perder tardes inteiras sentados perto da parreira, ouvir suas histórias de quando eu nem existia e contar minhas novidades bestas, pra te fazer rir. Hoje fazem dois anos que você foi embora. Você foi e deixou tudo que era seu, por aqui. As suas roupas ficaram amassadas no armário, denunciando o seu desleixo pelas coisas materiais. Elas ficaram esperando ser dobradas e depois foram, mas não por você. Elas foram dobradas e dadas pra terceiros. Os seus remédios, ficaram perto do filtro de água. Na sua carteira, ficou uma foto minha. No último Natal, eu encontrei ela. Foi como sentir seu abraço de novo, foi como por alguns segundos sentir o seu amor. Tem um texto da Clarice, que diz que "saudade é um pouco de fome". Eu concordo, sabe? Quando penso em você, eu sinto um aperto na boca do estômago. Eu sinto como se fizessem dias que eu não colocasse algo na boca. Acho que é normal, né? Ninguém mais conseguiu fazer com que eu me sentisse tão livre quanto eu era, do seu lado. Eu sinto saudade da sensação de estar do lado de alguém sem ser julgada ou rotulada, pelo que quer que fosse. Eu sinto saudade de ser amada, só por existir. Hoje em dia, tem gente que tá até cansado de ouvir falar de você, sabia? Vivo fazendo suas piadas, também. E elas nem tem tanta graça, mas me dá uma alegria enorme repetir suas palavras. As coisas mudaram tanto, vô. Tanta gente foi embora da minha vida, tanta gente nova chegou. Eu acho que você nem me reconheceria, hoje. To mais bonita, to mais mulher. Meu cabelo tá comprido, você iria achar lindo. Também to saindo mais. Encontrei um cara legal, finalmente. Tá bom, eu confesso: você tava certo quanto ao último, ele não era o cara certo. To escrevendo bastante. To fazendo o que eu gosto, do jeito que você sonhou. To cuidando da mãe e pintando as unhas, toda semana. To me dando bem com as sorellas. Finalmente, to me dando bem com o pai. Acho que você iria ficar feliz, você sempre dizia que eu deveria servir de união pra família bagunçada que a gente tem. Sempre passo por onde a gente passava. As coisas parecem tão iguais, que sempre tenho a impressão de que vou te ver, caminhando por ali. Guardei nossas cartas e tenho uma pasta com suas músicas clássicas, que ouço sempre. Vou fazer uma tatuagem: a sua assinatura no meu pé. E não aceito sermões, vou fazer e pronto. Quero te ter, em mim. As vezes, eu sinto aquela angústia que eu te falava. Ainda tenho aquele cansaço de me doar tanto e sempre me sobrar tão pouco. As vezes sou de tanta gente, que esqueço de ser minha. Esses dois anos, passaram devagar demais. A sua ausência é quase uma pessoa. E as vezes, ela me abraça. Sabia que café nenhum é melhor que o seu? Só descobri isso agora. Nenhum tem o mesmo gosto, nem o mesmo cheiro. Nunca mais achei aquelas xícaras largas e rasas, que a gente usava. Dizem que com o tempo, a saudade diminui ou a dor passa. Eu não acho que seja assim. Acho que eu só aprendi a conviver com sua ausência. A saudade é sempre maior. Aquele aperto no estômago que te falei, é praticamente um soco. É a vida me dizendo que o tempo passou, que você foi embora e não volta e que meu amor ficou perneta, sem você. 
Mas deixa isso pra lá, eu precisava falar de coisas boas e você nunca gostou de falar de problemas.
O meu amor vai ser pra sempre seu, viu? Meu coração, meus versos mais doloridos e o nome do meu filho.
Obs: Se cuida, não deixa de usar blusa - não sei como é o clima aí no céu - e guarda seu assovio no bolso, por mim.
"(...) Can you hear me when I sing?"









quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Eu te falei do amor.



(Ler ouvindo Do meu querer - Catedral)


Eu aposto que você nem vai ler esse texto até o final, mas tudo bem amor, tudo bem. Tá sempre tudo bem. Com você por perto, tá tudo bem. Eu preciso de você pra eu saber quem eu sou. Eu preciso que você me lembre das minhas nuances, eu preciso da sua vibe pra sentir a minha, tá entendendo? Eu preciso. Não é que a vida seja ruim com você longe, mas com você perto parece que a vida é mais bonita. A vida é mais fácil, quando eu tenho você. Esse texto vai bem piegas, do jeito que você odeia e eu não to nem aí. Você é piegas, também. Quando tenta ser tão contrário a tudo, ser tão irônico, ser tão fascinante, ser tão você. Você é o contrário de todos os clichês do mundo e talvez por isso eu te ame tanto. Eu te amo, porque não te tenho. Eu não preciso encostar em você, pra saber que é quente, que é bom, que é meu. Eu não preciso, mas eu quero. Eu quero tanto, eu quero todo dia. O nosso amor é inventado, igual a música do Cazuza. O nosso amor não existe, por isso é tão grande. Eu te falei do amor tantas vezes, meu bem. Eu te falei das coisas bonitas que o amor traz. E você diz que não sabe como é, que não entende, que não conhece. E eu sinto vontade de te pegar pela mão e ensinar cada gesto, cada sinal, cada loucura que é amar alguém sem saber amar. Eu também não sei amar. Mas eu não me importo, eu me jogo de cabeça, se você disser que sim. Eu vou te ver andando, eu arrisco tudo, eu luto até o fim. Eu só queria que você dissesse sim, quando eu te falei do amor. Eu quero a sua alma, menino. Mesmo que você diga que não tenha uma. Eu quero a sua sombra, eu quero ser a sua luz. Eu quero o teu mar e ser tua terra. Eu quero que você me surpreenda. Eu quero precisar de você. Ser o seu motivo, ser o propósito de onde veio e para onde vai. Eu quero ser louca, nos seus braços. Quero te achar louco, pra sempre. E quanto a gente? Sei lá, não importa. Eu não preciso te ter, eu só preciso de você.









sábado, 10 de agosto de 2013

Sorte.


(Ler ouvindo Poema - Ney Matogrosso)

Eu tive muita sorte na vida. Nunca passei fome, sempre tive onde dormir e tive amor. Eu tive dois pais. Um, que era um homem lindo e me ensinou a andar de bicicleta. E um outro, que atendia o telefone pigarreando e dizia "ô menina", mesmo sem saber que neta era do outro lado da linha. O meu pai me chamava de Marilyn Monroe porque eu tinha cachinhos loiros e dizia que eu era a coisa mais linda do mundo. O meu avô dizia que não importava o jeito que eu fosse, eu era uma menina abençoada. Meu avô me ensinou a perdoar. Meu pai me deu a chance de exercer o perdão. Os dois foram essenciais pra que eu me tornasse a mulher, que eu sou hoje. O meu avô me falava sobre a vida e sobre as coisas bonitas que existem. O meu pai me ensinou a viver e perceber que a vida é curta demais pra gente só ouvir falar como é. O meu avô me ensinou o amor. O meu pai me amou, mesmo sem saber como dizer isso. E eu senti o amor de ambos, a vida toda. Mesmo longe, muitas vezes. E quando meu avô foi embora, o abraço do meu pai foi um dos mais importantes. Eu senti que aquele abraço dizia que era hora dele tomar conta de mim, sozinho. E é isso que ele faz. Mesmo eu já sendo adulta e não precisando mais de sermões ou castigos. Eu me sinto menina perto dele. Gosto de olhar pra ele e ele estar me olhando, com os olhinhos pequenininhos que ele tem. Eu sinto falta do meu outro pai, porque ele era o tipo de homem que todo mundo sente falta. Ele me amava com o coração puro que ele tinha e eu me pego precisando daquele amor, as vezes. O meu pai hoje em dia, tem o mesmo coração bom. Ele fala de coisas bonitas, como meu avô falava. Ele é sábio, hoje. Eu tive dois pais, quando precisei. Hoje eu tenho um pai, que vale por dez. Dizem que o primeiro amor de toda menina é o pai. Eu concordo. Fui duplamente apaixonada. 
Eu tive mesmo, muita sorte na vida.








quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Homenagem.

(Ler ouvindo Não Enche - Caetano Veloso)



Esse texto não vai ter seu nome, porque você não tem identidade. O seu rosto é mais um na multidão. E é assim que deve ser. Você tem que ser só mais uma pessoa, que passou pela minha vida, fez seu estrago e foi embora. Como você fez e faz na vida de vários. De outras almas otárias, como a minha. É triste você enxergar bondade, onde existe só interesse, sabe meu amor? Não, você não sabe. Porque você além de tudo, tem problema de visão. Você acha que a vida é pra sempre e que amanhã sempre vai dar tempo de se desculpar. O problema é que eu já bebi demais e aprendi o lema "Só por hoje". E só por hoje, eu não quero mais ouvir suas desculpas esfarrapadas. Suas histórias tristes e seu drama mexicano. Só por hoje, eu quero mesmo é que você se afunde nessa sua solidão, nessas suas noites sem dormir e nesses teus amigos mais falsos que a atuação da mocinha da novela das 9. Só por hoje, eu quero que o seu amanhã chegue vazio. Porque eu sou muito boa, sim. Eu sou muito boa, mesmo. Muito. Mas eu também sou humana e eu também canso. Eu quero que você vá pro inferno com as suas frases feitas e copiadas. Quero que você engula todo seu veneno e precise ir, novamente, pro hospital se desintoxicar. Ou será que você ainda não percebeu? O seu mal é interno, meu amor. O seu problema é você mesmo. Lupus. Nem seu corpo consegue conviver com tanta podridão. Mas eu sempre tiro uma lição de tudo que me acontece, né? E com você, não foi diferente. Porque graças a Deus, você não tem nada diferente do resto do mundo. E graças a Deus eu percebi isso. Eu aprendi a não me doar, aprendi a ouvir mais os outros. Todo mundo disse. Mas eu não ouvi. Você me tapou os olhos e eu deixei. Mas acabou, agora minha visão é plena e eu te enxergo como você é. E tudo que eu vejo é vazio e enganação. É mentira, é falsidade. Eu tenho náuseas.  Esse texto não vai ter seu nome, porque não é necessário. Esse texto é minha carta de alforria, sou eu lavando minhas mãos das suas aventuras. Esse texto é pra te eternizar, de forma verídica. 
Al revoir!









quarta-feira, 3 de julho de 2013

A moda.


(Ler ouvindo Provas de amor- Titãs)


O amor virou brincadeira. E to falando sério, sem piada. As pessoas amam hoje em dia, como quem pede uma cerveja. Desce mais uma, garçom. Eu pago a rodada. O copo esvazia e a pessoa vai embora. Como se nada tivesse acontecido. O amor mais do que nunca, é moda. O mundo se perdeu e eu me perdi junto. Perdi um capítulo e quando vi, já estava tudo perdido, a palavra amor pra todo lado e o sentimento em lugar nenhum. Eu percebo que o mundo ficou tão cheio de gente apaixonada, cheio de demonstrações de amor, cheio de carinho, de coraçõezinhos feitos com a mão e sem um pingo de amor. O sentimento tá em falta no mercado e o povo todo tá se contentando com essa versão barata e falsa de amor. Sempre que vejo um casal novo, procuro neles algum sinal de sentimento verdadeiro, sei que é feio fazer isso, mas eu faço. E cadê? Cadê, gente? Não tem. É sempre a mesma coisa, ela iludida e ele carente. Aí junta isso e fica um relacionamento movido a músicas de Sandy e Junior. Se a lenda dessa paixão, faz sorrir ou faz chorar, o coração é quem sabe. Ninguém entende o verdadeiro significado, mas acompanha a multidão e canta junto. As pessoas amam por tabela, já viu isso? As amigas estão namorando, então eu também vou, pra não ficar sozinha. Aí arruma o primeiro pangaré que vê na frente e tasca lá um relacionamento sério na rede social que é pra atiçar o ex. A mãe do cara não para de cobrar ele, quer que leve uma namoradinha pra almoçar no domingo em casa, aí ele arruma a primeira sonsa que vê na frente e pronto. É assim o amor. Aí vem a rotina, o costume, quando as pessoas vão ver, estão a anos com alguém que mal conhecem. E eu fico aqui, olhando de camarote, observando... os casais começam, se conhecem e terminam. Aí você vai me perguntar... Você nunca errou, Thais? Você nunca se apaixonou por alguém e depois viu que a pessoa não era nada daquilo? Já. Mas é aí que tá a diferença. Eu me apaixonei. Eu acho que pra valer a pena um relacionamento ele tem que ser completo, eu tenho que ter vontade de conhecer até o ultimo defeito da outra pessoa. Eu amo primeiro e falo depois. Gosto de curtir o tempo de cada coisa. Conhecer, gostar, acostumar e por fim amar. O amor é um tanto de costume, sim. Eu não aceito mais essa brincadeira de amar no primeiro dia e conhecer no último. É mais prático, eu sei, mas não vale a pena. Eu já me entreguei de bandeja a quem nem saberia soletrar a palavra amor, muito menos sentir isso. E depois dói. Dói o tempo perdido, o resto de sentimento que fica, o apego. Dói o engano. Então segura a onda, aprende que amor é lindo, mas não é fácil. É simples, mas não é comum. Vamos sentir mais e falar menos. Vamos gostar menos em rede social e fazer algo pro bem social. Vamos abraçar menos e ajudar mais. Chega de tanta declaração e vamos partir pra ação. Faz o seguinte, na dúvida segue sempre o verso do poeta "Falais baixo, se falais de Amor". 

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Morar.


(Ler ouvindo A Sua - Marisa Monte)



Semana que vem é Dia dos Namorados. Até aí, tudo bem. Dia em que namorados trocam presentes, fazem declarações de amor e renovam seus votos de fidelidade e cumplicidade. Dia dos solteiros se sentirem sozinhos e lamentarem por não ter alguém com quem trocar presentes e renovar votos. Existem também os chamados 'imunes'. Os que acham que o amor é um vírus e que eles não são atingidos. Mas que com certeza, antes de dormir, pensam em como seria legal ter alguém pra esquentar os pés. Mas o problema ainda não é esse, o problema é mais crítico. O Dia dos Namorados é assim, como a maioria das datas festivas do calendário, são mantidas pelo estímulo ao comércio. Estimulo ao consumismo. Estimulo a alienação. Afinal de contas, você precisa do Dia das Mães pra amar sua mãe, do Dia dos Pais pra amar seu pai e do Dia dos Namorados pra amar seu parceiro. O amor precisa de datas, pra ser demonstrado. O amor ficou superficial. O amor virou uma ferramenta de marketing do comércio. Diz pra mim, quantas vezes você Namorou de verdade? Não to falando de casinhos, relações falidas, amores platônicos ou unilaterais. Eu to falando de Namoro. Que, segundo o dicionário significa: (verbo transitivo direto) inspirar amor, apaixonar, cativar, atrair. Qual foi a última vez que você, transitiva e diretamente, inspirou amor ou se sentiu inspirado, a esse ponto? Qual foi a última vez que você se apaixonou, por mais de dez dias? Se sentiu cativado, atraído? Namorar vai além de usar aliança e se ver no domingo. Namorar é muito mais do que 'dar satisfações pra patroa' ou deixar de ver as amigas de sábado a noite. Namorar é um encontro de almas e não simplesmente algumas trocas de olhares. É por isso que acho o Dia dos Namorados uma bobagem. Quem ama, ama todo dia. E não é fácil. Não é só festa, é um caminho estreito. É preciso se divorciar dessas convenções e barreiras que a sociedade impõe. É preciso ter um caso com o destino e não acreditar mais no 'pra sempre'. É preciso acreditar que o amor acontece, quando tem que acontecer. Deixar os quase amores, pra trás. É preciso pedir a vida em casamento. Pra namorar com o outro, é preciso namorar com a gente mesmo. Pra ser feliz, é preciso abandonar o nosso lar e na-morar dentro do outro. E deixar que o outro na-more dentro da gente. E aí sim, comemorar. Namorar. Morar.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Duas pétalas.


(Ler ouvindo Let It Be - Across The Universe)


Eu fiz um texto pra falar de silêncio. E nesse texto tinham muitas palavras que gritavam, então desisti. Eu fiz um texto que falava de decepção e angústia, mas acabei colorindo demais os versos, e o que era depressão, virou primavera. Eu tentei fazer um texto falando dos males da vida, dos problemas do mundo e toda essa crueldade que nos cerca, mas acabei fechando meus olhos humanos e abrindo minha alma pra exaltar a vida e os milagres do mundo, então rasguei a folha. Sentei sozinha e li tudo que havia escrito; depois de horas relendo cada texto, cada frase não terminada, cada ideia formulada e deixada de canto, cada introdução e tese sem conclusão, cheguei a uma teoria bonita: Eu nasci pra falar do amor. Como se estivesse parada em frente a várias ruas sem saber onde dariam, e ao entrar em cada uma, percebesse que todas levavam ao mesmo lugar. Entendi que não adianta fugir do que a gente é. Do que a gente faz e do que a gente é feito. Sou feita de amor. E repasso. Porque eu ouvi que o que é bonito é pra ser mostrado. E o meu amor é a coisa mais bonita que tem em mim. Consegui então, entender que não preciso fugir de mim pra ser quem quero ser. E falar do silêncio, da angústia, dos problemas, da vida e das cores. Porque tudo isso são apenas complementos, são pétalas. Pétalas que esperam a vida brincar de “mal-me-quer e bem-me-quer” pra vir à tona. Mas o amor, ah o amor é o bem-me-quer mais bonito da flor mais bonita. É o que envolve tudo isso e o que faz valer a pena. Conformei-me. Aceitei-me. Floresci. As minhas palavras gritam, porque meu peito não sabe falar baixo. E a primavera só nasceu em mim, depois de anos de cultivo de flores, espinhos e mãos cheias de terra. A gente só vê brotar aquilo que rega. E eu reguei, cuidei, deixei permanecer no terreno mais bem arado do meu jardim, esse sentimento. E não me arrependo. A vida sem amor não vale a pena. Não existe sorriso sem a emoção de amar. Não existo eu. Não existimos nós, sem algum tipo de romantismo e sentimento. No fim, eu fiz mais um texto piegas e uns versos clichês. Mas não fiquei desapontada. Eu sorri. E amei. Mas o amor é tão clichê, né? A vida é um eterno clichê. Quem diria, que amor.


Escrito em parceria com a menina com cara de coisas bonitas, G. Christini (
meussentimentoscongelados.blogspot.com.br)

sábado, 4 de maio de 2013

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Sobre certezas, casamento e traumas de infância.


(Ler ouvindo No Recreio - Cássia Eller)


Todos os casamentos que eu acompanhei quando era criança, deram em divórcio. Mulheres chorando. Malas feitas e jogadas na rua. Traições. Novelas mexicanas na sala da minha casa. Crianças (assim como eu) levadas de um lado para outro, como se fossem bagagem. Homens indo embora sem olhar pra trás. Falta de conversa. Desrespeito. Sofrimento. Tudo isso me atribuiu marcas.E apesar disso, eu sempre fui aberta em relação aos sentimentos, tive mil e uma (mil e várias) paixões. Namorei bastante. Mas nunca falei em casamento, nem pra mim e nem pra ninguém. Falar nisso pra que, né? Não se deve mexer em time que está ganhando. E se dependesse de mim, eu não mexeria nunca. Até que de repente, eu conheci um cara, que eu já tinha conhecido em outros carnavais. Mas eu conheci ele de novo. Estava mais bonito, mais velho, com um ar de quem precisava amar. Acho que eu estava com o mesmo ar quando me aproximei dele. Tanto que os nossos ares se casaram. Eu tive certeza que eu queria ficar com ele, pelo resto da vida. Mesmo que isso significasse muito tempo. E por mais incrível que pareça, ele teve essa mesma certeza. E nós nos olhamos, como se tivéssemos vivido a vida toda juntos. Esse cara falou em casamento pra mim. E foi o maior susto de toda a minha vida. Maior até do que o susto, na vez em que minha irmã fingiu que morreu e ficou meia hora deitada no chão na mesma posição, com ketchup na cara. Ele me perguntou se eu acharia brega demais ter um casamento tradicional e por algum motivo eu achei ele tão lindo naquele momento, que beijei ele até cansar. E não respondi. Não fazia ideia do que dizer, porque estava apavorada. Aí ele me pediu pra pensar nos casais que conhecíamos e que eram felizes, mesmo depois de anos juntos. E disse que a felicidade dependia só da gente. Ele disse que tinha certeza do quanto seríamos felizes. Certeza. Essa palavra ficou martelando na minha cabeça por dias, por semanas. Eu me lembrei de todos os problemas que já tivemos e superamos juntos. Todas as barreiras, dores de cabeça, doenças, acidentes e rotina. Lembrei de tudo e nem por um segundo em pensei em desistir dele. Ei cara... Eu caso sim. Já que o amor pede pra gente se jogar, que eu me jogue de cabeça. Porque você merece, porque eu mereço. Porque essa nossa história louca merece sim, uma festa. Nem que pra isso eu diga 'não' pros meus medos, pras minhas loucuras e minha ânsia de ser independente. Nem que eu diga muitos 'nãos' daqui pra frente, pro cara que me ensinou o amor do jeito bonito, eu vou dizer 'sim'. Vestida de branco.