quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Mais uma carta pra você.

(Ler ouvindo Sometimes You Can't Make it On Your Own - U2)



Oi vô,

To te escrevendo, porque hoje é uma data mórbida demais e eu precisava falar de coisas boas. Eu precisava tanto falar com você, perder tardes inteiras sentados perto da parreira, ouvir suas histórias de quando eu nem existia e contar minhas novidades bestas, pra te fazer rir. Hoje fazem dois anos que você foi embora. Você foi e deixou tudo que era seu, por aqui. As suas roupas ficaram amassadas no armário, denunciando o seu desleixo pelas coisas materiais. Elas ficaram esperando ser dobradas e depois foram, mas não por você. Elas foram dobradas e dadas pra terceiros. Os seus remédios, ficaram perto do filtro de água. Na sua carteira, ficou uma foto minha. No último Natal, eu encontrei ela. Foi como sentir seu abraço de novo, foi como por alguns segundos sentir o seu amor. Tem um texto da Clarice, que diz que "saudade é um pouco de fome". Eu concordo, sabe? Quando penso em você, eu sinto um aperto na boca do estômago. Eu sinto como se fizessem dias que eu não colocasse algo na boca. Acho que é normal, né? Ninguém mais conseguiu fazer com que eu me sentisse tão livre quanto eu era, do seu lado. Eu sinto saudade da sensação de estar do lado de alguém sem ser julgada ou rotulada, pelo que quer que fosse. Eu sinto saudade de ser amada, só por existir. Hoje em dia, tem gente que tá até cansado de ouvir falar de você, sabia? Vivo fazendo suas piadas, também. E elas nem tem tanta graça, mas me dá uma alegria enorme repetir suas palavras. As coisas mudaram tanto, vô. Tanta gente foi embora da minha vida, tanta gente nova chegou. Eu acho que você nem me reconheceria, hoje. To mais bonita, to mais mulher. Meu cabelo tá comprido, você iria achar lindo. Também to saindo mais. Encontrei um cara legal, finalmente. Tá bom, eu confesso: você tava certo quanto ao último, ele não era o cara certo. To escrevendo bastante. To fazendo o que eu gosto, do jeito que você sonhou. To cuidando da mãe e pintando as unhas, toda semana. To me dando bem com as sorellas. Finalmente, to me dando bem com o pai. Acho que você iria ficar feliz, você sempre dizia que eu deveria servir de união pra família bagunçada que a gente tem. Sempre passo por onde a gente passava. As coisas parecem tão iguais, que sempre tenho a impressão de que vou te ver, caminhando por ali. Guardei nossas cartas e tenho uma pasta com suas músicas clássicas, que ouço sempre. Vou fazer uma tatuagem: a sua assinatura no meu pé. E não aceito sermões, vou fazer e pronto. Quero te ter, em mim. As vezes, eu sinto aquela angústia que eu te falava. Ainda tenho aquele cansaço de me doar tanto e sempre me sobrar tão pouco. As vezes sou de tanta gente, que esqueço de ser minha. Esses dois anos, passaram devagar demais. A sua ausência é quase uma pessoa. E as vezes, ela me abraça. Sabia que café nenhum é melhor que o seu? Só descobri isso agora. Nenhum tem o mesmo gosto, nem o mesmo cheiro. Nunca mais achei aquelas xícaras largas e rasas, que a gente usava. Dizem que com o tempo, a saudade diminui ou a dor passa. Eu não acho que seja assim. Acho que eu só aprendi a conviver com sua ausência. A saudade é sempre maior. Aquele aperto no estômago que te falei, é praticamente um soco. É a vida me dizendo que o tempo passou, que você foi embora e não volta e que meu amor ficou perneta, sem você. 
Mas deixa isso pra lá, eu precisava falar de coisas boas e você nunca gostou de falar de problemas.
O meu amor vai ser pra sempre seu, viu? Meu coração, meus versos mais doloridos e o nome do meu filho.
Obs: Se cuida, não deixa de usar blusa - não sei como é o clima aí no céu - e guarda seu assovio no bolso, por mim.
"(...) Can you hear me when I sing?"









5 comentários:

  1. Pode ter certeza que ele ouvirá sua canção... ;)

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  2. Texto maravilhoso, carregado de sentimentos, bem narrado e cativante!!

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  3. muito lindo o texto! demostração pura de amor...

    http://tricia-palavraspequenas.blogspot.com.br/

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