terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Parabéns para mim, nessa data querida!

(Ler ouvindo  I want to break free - Queen)


Eu nasci, há exatos vinte anos atrás, numa sexta feira treze. Não acredito nessa superstição de data e tal, mas é fato que isso influenciou, afinal de “normal”, eu como sempre meio atrasada, só fiquei com o final e desde criança sou só o “mal”. Minha mãe começou a ter contrações pela manhã e antes do almoço, puft! O estrago estava feito. Eu nasci. Como boa desgraça que sou, vim acompanhada. De infecção hospitalar, problemas de saúde, brigas familiares. Desde menina, sempre fui muito quieta, chorava mansa pelos cantos, sem ninguém entender o motivo. Eu já percebia o que os adultos só foram entender mais tarde: eu era diferente. Eu sempre senti diferente das outras pessoas, sempre fui esquisita demais. Nunca vi a felicidade no lugar que todo mundo via e demorei muito tempo pra encontrar a minha. Com a cara enfiada nos livros eu começava a provar que as teorias do meu tio bêbado estavam certas “... essa menina nunca foi certa das idéias”. Minhas idéias sempre foram tortas. Sempre encostadas. Foi aí que desisti de tentar ser igual e assumir de vez o papel que sempre foi meu. O de ovelha negra. O pé de café, no meio do milharal. Desde então, eu cresci. Cresci e percebi que minhas palavras incomodavam. Nascia aí, a minha vingança contra o mundo. Minha vingança contra mim, talvez. Contra meu tio embriagado, contra minhas primas normais que arrumam namorados e vão a igrejas e tem amigas iguais a elas. Contra os caras que tinham medo da minha força interior, da minha opinião, do meu jeito de nunca achar nada muito, de eu sempre ter que ter algo mais e falar algo mais e sentir algo mais. Contra um mundo que não me permite ser inteligente se quiser casar e ter filhinhos, um mundo que quer me obrigar a ser sonsa e aceitar de cabeça baixa a realidade. Contra as pessoas que se esfregam de noite, mas que não se assumem, que precisam se entupir de químicas e pessoas e músicas e máscaras e óculos e roupas. Contra mim, que demorei tanto tempo pra me entender, me completar, me aceitar, me assumir. Hoje eu percebo que, há vinte anos nascia uma história. Há vinte anos foi o começo de uma revolução. Eu não quero pouco e não admito o simples. Quem quiser, vem comigo. Não me traga bolo, nem presente, nem festa, nem vela. Mas se vier, venha inteiro. É só isso que peço, e não espero. Daqui eu vou, e sempre mais alto, meu destino é o céu. Meu destino é a luz. Com minhas palavras de idéias tortas, com meu chinelo no pé, meu riso sem graça e minha força. Essa é minha bagagem e minha história. Esse é o rosto dos meus textos, a minha cara dada à tapa, a minha luta diária. Feliz aniversário pra mim...





segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Fraqueza.

(Ler ouvindo Amor pra recomeçar - Frejat)


Compreender uma dor, é superá-la. É o único, difícil, triste, apertado e doloroso caminho. Quando dói, não existe macumba, reza, balada, bebida, nova paixão, religião, não existe psiquiatra nem meditação que te cure. Não existe saída. Porque a gente não enxerga o caminho, quando a gente não entende, a gente sofre. Quando dói, a única verdade absoluta é a dor. De tudo que você me ensinou, essa foi a maior lição. A dor ensina muito. Ensina a ser mais forte, menos boba, mais dura, menos boba, mais sozinha, menos boba. A vida, ou você, ou ambas, me fizeram uma pessoa muito dura, viu? Uma pessoa com uma fraqueza muito forte. Pensando bem, você e a vida (pra falar a verdade, a vida era você...) me fizeram uma pessoa muito fraca. Porque ser forte é dizer muitos nãos, é sofrer sozinho, é não ter medo da dor. E hoje eu percebo que isso não é bom, o caminho não é por aí, a estrada assim é mais dolorida. Eu aprendi que ser fraca não dói. Porque a fraqueza por si só, é o desprendimento da dor. É o reconhecimento do quanto sou humana, do quanto sou passível de sofrimento e do quanto posso aprender, posso entender isso. Você me ensinou a andar de cavalo, me ensinou a atravessar a rua no centro de São Paulo mesmo com pressa, me ensinou a comer com hashi, me ensinou novas posições, palavras em russo, me ensinou a mentir, porque nisso você sempre foi ótimo, mas o mais importante, você me ensinou a sofrer. Não sei os outros, mas sempre fui masoquista ao extremo. Um problema à vista e lá estava eu, gritando com o espelho o quanto sou burra e inútil, por ter causado aquilo. Mas com você não, quando você foi embora, eu fiquei numa tristeza sem fim, ficou um vácuo tão grande, uma agonia de não ser mais dois, tirar aquela aliança, tirar suas coisas do armário, tirar sua música da minha cabeça, tirar do meu caminho todo mundo que tem seu nome, sua inicial, seu sorriso, seu perfume, seu jeito de andar, até quem não tinha nada, eu queria tirar. Tirar a alma de todo mundo, pra tentar colocar na minha, ver se preenchia, ver se a dor diminuía, ver se o vazio acabava, ver se eu acordava e você ia estar ali, ver se o mundo explodia e tudo virava cinzas e você aparecia no meio do nada e me salvava, ver se o inverno acabava. Não acabou, ninguém morreu, o seu time ganhou, as pessoas perguntaram de você e você não voltou. Não ligou. Não morreu nem chorou. Não fez nada. Aí então, foi que eu entendi, que a culpada não era eu... A culpa era sua, sim. O sofrimento era seu e você passou ele todo pra mim, por isso não doía em você. To te escrevendo pra dizer que sou fraca, mas não mudei muito do que eu era, só cortei um pouco o cabelo, to usando mais salto, to sorrindo mais. To te escrevendo pra dizer que a dor passou. Passou porque eu entendi ela. Eu entendi você. Eu entendi que a dor não era minha, normalmente não é. Eu entendi que o peso é seu, sempre foi. To te escrevendo pra te desejar sorte. Sorte e entendimento. Desejo que você descubra o motivo da sua dor. Pra parar de tentar colocá-la em quem não tem, em quem não merece ter. Tente ser fraco, por um dia e você nunca mais vai querer ser forte. A fraqueza é uma benção, é de uma liberdade sem fim. E ser livre é coisa muito séria, coisa de gente grande mesmo. Coisa de quem se admite fraco, coisa de quem para de se fingir de forte. Eu, que sempre quis te dar o mundo, o meu amor, o amor do mundo, todo amor do universo, todo o universo, toda a vida, todo o meu âmago, todo meu ser, hoje só quero te dar um conselho: seja fraco.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O mesmo quarto


No carro, indo para lá, eu revia a nossa cena, nós dois rindo, conversando, discutindo pra onde ir, eu cantando suas músicas, você me olhando. A cena não mudava muito, mas dessa vez não era você. E as músicas eram outras, e o jeito de rir era outro. Ele só coloca musicas que eu gosto, pra cantarmos juntos. Ele canta daquele jeito, de quem sabe o que faz, um jeito que você nunca teve, pra nada. Quando chegamos, ele escolheu o mesmo quarto, o mesmo lugar. E eu me senti apavorada, por dentro. Como voltar Ali, sem lembrar? Sem sentir você. Sem pensar no seu cheiro de nada, na sua nuca branca, arrepiada. Ele nem brincou com as luzes do quarto comigo, nem foi ligar a banheira sozinho, nem tirou peça por peça minha me olhando. Ele foi homem, ele me virou, me apertou, me desejou, me fez virar, mudar, chorar. Só não me fez amar. Ou será que fez? Eu nunca soube se o que eu sentia por você era mesmo amor. Era um sentimento feio, triste, amargo demais. Sem esperança, um sentimento sem sentimento. Enquanto com ele não, é forte, é vivo, é bonito. Eu olho pra ele e meus olhos sorriem. Então porque eu não consigo te apagar? Porque eu fechava os olhos naquele chuveiro e escorriam lagrimas lembrando de você? Porque a vida é tão ingrata a ponto de não deixar a gente seguir em frente? Porque você seguiu e eu não? Porque eu segui, mas não segui?  No final, eu e ele brigamos e fomos embora em silêncio. Ao contrário da gente, que foi embora rindo, você me mostrando uma letra horrível de rap que você só ouve porque numa das frases, parece que o infeliz diz “miagui” e você acha engraçado. Você pagou uma fortuna por aquele quarto, pra ter o meu amor. E ele pagou pra ter meu corpo. Ou será que eu to errada de novo e eu sou tão cega a ponto de só ver amor em você, onde só existiu atração? Droga, ele chora por mim. Ele tem o carro que você queria ter. Ele é responsável e me manda textos lindos. Gosta da minha mãe e dá comida na minha boca. Ele faz tudo que eu sempre quis que você fizesse. Ele me abraça enquanto eu choro de mansinho na minha solidão que nunca acaba. Ele nem sabe que as vezes as lagrimas são suas. Ele enxuga todas, sem perguntar o nome delas. Voltar ali me fez tomar a dimensão do quanto você existe em mim. Do quanto aquela noite você entrou em mim e não saiu mais. Do quanto não teve fim. Do quanto é imortal esse sentimento torto, sem motivo, sem razão. Outro dia sonhei que você abria a porta e eu estava sentada em silêncio, você me olhava daquele seu jeito sem jeito, e eu te pedia pra ficar. Mas você ia embora de novo. E quando acordei, fiquei olhando pra porta, mas ela não abriu, porque você nunca veio, não teria como ir embora. E chorei a primeira vez a nossa morte. Chorei o fim de algo que nunca aconteceu. Triste é amar alguém que só existe nas suas expectativas. Triste é esse amor platônico por um deus grego que na verdade é um plebeu. Triste foi sair daquele motel procurando as setas pra te tirar da minha cabeça. Triste é viver caçando pedaços seus, em tudo. Triste foi ver a água daquela banheira esvaziando, ficando igualzinha a mim, vazia. Mas não importa, não é? Não cabe mais, não se sabe mais, não vale mais. O que foi, foi. E pronto. E chega, acabou o assunto.



sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Como um quebra cabeças.

(Ler ouvindo Quem tem coragem não finge - Rodox)


Triste, meu amigo? Triste são as crianças passando fome na África, triste são os animais maltratados, triste é a humanidade. Eu não sou triste, não. Só estou um pouco cansada. Vêm me acontecido tanta coisa, muita coisa triste, entende? Mas não quer dizer que eu me tornei uma dessas coisas. Eu não me tornei coisa nenhuma.. É difícil ver as costas de todas as pessoas que você já ajudou viradas pra você, e não falo como se cobrasse, não menino, longe disso, não me arrependo. Mas que é difícil, é. Mas o que não é? Montar um quebra cabeças também é difícil, nem por isso as pessoas desistem. Só desiste quem não tem força e paciência pra concluir, ou quem prefere imaginar como ficaria. Só desiste quem não gosta de trabalho. Não vou te dizer que não dói, sabe? E é daquelas dores que vem de mansinho, enquanto a gente se distrai, quando vê, puft, a dor. Sem remédio, sem calmante, sem circo, sem piada, sem mentira, é dor, da espécie mais pura. Dor de morte, sem o velório. A dor de velar pessoas em vida é uma sequência de facadas na alma. É um suicídio de espírito. Mas não vim até aqui, pra te falar que você matou meu espírito, até porquê isso te faria chorar ou pior, te faria duvidar. Não é minha intenção te causar nada disso. Você foi só mais uma peça, que eu perdi do meu quebra cabeças. Nada que eu não possa recuperar, menino. Não chora, não. To te dizendo, eu vou me levantar. Tá vendo isso aqui? Você vê minhas mãos, elas são firmes, elas não tem medo, não vê? Depois disso tudo, elas insistem em fazer carinho na tua nuca.. Não se esquiva. Eu te quero bem, eu te desejo só o bem. Não me importa o que foi, como foi. Eu vou levantar, eu sempre me levanto. Sei que metade da minha história foi no chão, mas a metade que eu escolhi foi no céu.Eu sempre vou escolher o céu, sou de lá, podem até me trazer pra baixo, mas sempre vou voltar. E esse luto? Uma hora passa. Uma hora eu deixo de pensar. Pensa em mim, as vezes? Pode ser só as vezes, tem problema não. Pode ser como quiser, mas pensa.. Me dá uma força sobrenatural pensar que está pensando. To em fase de recomeço, aprendendo a conhecer o vento, o leme , to em barco novo. Mas o mar é sempre o mesmo, né? A mesma traição. A mesma maré traiçoeira, movida por uma lua ausente, que não se lembra que existem barcos, que existe vida, que existe esperança aqui. No espaço é tudo muito vazio, menino. Vazio feito eu. Vazio feito esse copo, você tem bebido demais. Não volta pro que não é teu, você tinha amadurecido tanto. Vai, canta comigo. Dá uma risada, por favor. Eu preciso ir, promete que fica bem? Já te disse, não tem erro. Mesmo no fundo, eu ando com uma flor na mão, minha dor é do céu também. Não vai existir mal que me apague, nem angustia que me desintegre. Por nada, por ninguém. Agora me deixa ir, porque meu quebra cabeças tá pela metade e ainda falta muito.


domingo, 6 de novembro de 2011

A outra.

Tudo bem, eu sei que o nome dela todo prateado, combina mais com seu sobrenome de realeza e nada a ver com meu nome italiano de difícil pronuncia. Ok, eu sei que ela vai sair muito melhor nas fotos de casamento, que o silicone dela fica muito melhor dentro de uma lingerie de oncinha e que o cabelo dela...  Se você falar do cabelo dela, você apanha, eu sei que é perfeito, eu sei. O coitado do meu cabelo, que normalmente é seco, ficou oleoso de vergonha, na ultima vez que decidi que ia sofrer um pouco e fui olhar as fotos dela. Mas e daí? É isso que você quer numa mulher? Que o máximo que ela saiba de política é o nome do presidente e que pra ela religião, seja acompanhar a mãe dela na missa no domingo de manhã, pra parecer uma boa filha? É isso? Honestamente, eu esperava bem mais. Sei que as pessoas tem medo de mim, e sei que você também tem. Eu sou feito rio turvo. Sou bonita a primeira vista, mas quando se chega de perto, amedronta. Mas chega de falar de mim, vamos falar dela que é muito mais interessante! Um segredo que eu preciso te contar, a sua Barbie não é misteriosa, os silêncios dela não são porque ela deseja que você fique instigado em conhece-la, em decifra-la. Os silêncios dela refletem o que ela é por dentro: Vazia. Ela concorda com você, porque não tem opinião. Ela ri das suas piadas, mas você sabe que ela não entendeu. Ela prefere muito mais estar com vinte amigos do que você ao lado, pra não ter que mostrar o quanto ela não tem o que dizer. Ela pode ser ninja na cama, pode ter um sorriso perfeito, pago em 24 prestações, pode se vestir só com Louis Vitton e Armani. Mas conteúdo, meu amor, ela não compra e ela não tem. Se o que você procura é uma mulher assim, está com um exemplar perfeito. Mas eu sei que quando oferecer pra ela, uma sessão pipoca com filme Cult e ela te olhar com cara de desdém, louca para experimentar o vestido novo e querendo cair na noite, você vai lembrar... Vai lembrar da menina que vivia de sapatilha, chinelo, mas quando colocava salto virava uma mulher ímpar. A menina que via futebol com você, sentados no chão da sala, te fazendo carinho na nuca e discutindo os lances do jogo. Aquela, que chorou de mansinho quando você disse que estava em outra, que tinha encontrado alguém. E isso já faz um bom tempo né? Quando a gente se reencontrou, eu vi nos seus olhos. Eu sei, eu vi. Dá saudade? Pena. Enquanto eu te ensinei o que era fotografia, você me obrigou a ver fotos suas com ela, nas baladas que dizia que odiava. Enquanto eu te ensinei a se vestir, tive que te ver com aquele tênis ridículo, que eu aposto que ela adora. Enquanto eu te ensinei a falar, agora já não adianta, porque eu sei que ela ouve. O tempo passou, meu amor. E não pense que eu fiquei lá, parada, chorando... Não. Eu cresci, eu aprendi, eu mudei. Hoje eu sou outra. Depois de tanto lutar pra ver o seu sorriso, eu aprendi a valorizar o meu.



Ser sozinha.



                                     (Ler ouvindo Beautiful - Christina Aguilera)

De todas as minhas características, a mais forte, a mais marcante, a mais triste e mais honesta com certeza é a de ser sozinha. Sou uma pessoa sozinha demais. Por natureza,  por instinto. Eu era sozinha, quando criança. Sofria sozinha sentada no banheiro sem saber por que sofria. Quando rezava e pedia pra um Deus que eu não sabia quem era, mas sabia que era o único devia me ouvir. Sozinha quando pedia um amigo ao Papai Noel e a carta voltava com a letra do meu pai, exigindo que pedisse um presente. Eu era sozinha quando namorava homens lindos, sendo uma menina comum, mas que sabia conversar e seduzir. Eu era sozinha quando tinha raiva de todo mundo, ia no banheiro e ficava picotando meu cabelo, que sempre foi meio enrolado, então ninguém nunca reparou. Eu sempre fui a menina do canto. A solidão sempre caiu bem à mim. Combina com meus olhos de ressaca, “olhos de quem já sofreu e cansou”, me disse uma vez um daqueles seguidores de Bob Marley andarilhos, que a gente encontra pelas esquinas da vida. A solidão combina até com meu tamanho, pequena, frágil. A solidão cabe tão bem em meu corpo, que eu não me vejo sem ela. Ontem a noite, eu sai sozinha, porque não pense que ser sozinho é nunca querer ver ninguém... Precisava ver as pessoas, sem estar com elas. Simplesmente porque assim me ponho exatamente onde eu quero estar. Perto de todos, mas junto de ninguém. Como sempre foi, a menina do cantinho das fotos, do sorriso calmo. Mas sempre existiu em mim uma diferença gritante, que berra, que joga água fria no rosto de quem me vê. Eu tenho luz. Uma luz fraca, clara. Mas é o suficiente pra me iluminar, pra me proteger da imensidão, dessa escuridão, do vácuo que é a alma das pessoas. Eu não me perco, rapaz, eu nunca me perco. Meu rumo é um só, minha caminhada é estreita, é lenta, mas é contínua. Eu caminho pra dentro de mim. Quem vem comigo, eu não levo do lado de fora, eu levo por dentro, eu ponho no colo e carrego no espírito. Mas só vai quem quer, quem insistir, quem não tiver medo da luz. A luz assusta, rapaz. A luz te faz ver demais, e depois que a gente vê, a escuridão nunca mais é mesma. Quando a gente vê o semblante dos monstros, o medo não existe mais. Nunca se deixe levar, nunca acredite demais, nunca se deixe abater. Ser sozinho não é ruim, não. Ser sozinho é difícil, mas vale a pena. Quando você se torna amigo de si mesmo, você não é mais sozinho, você tem a sua companhia. A única que nunca vai te abandonar, se ame por dentro, por fora, pelos cantos, pelas esquinas, pelas frestas. Se ame por todos os jeitos, por todas vírgulas que existirem. O amor é um sentimento tão solitário, tão egoísta. A gente sempre acha que a pessoa deve ser exatamente o que somos, o que queremos. Não é mais inteligente então se apaixonar por si? Narcisismo talvez. Ou só mais um jeito de deixar de sofrer olhando pra esse mundo que daqui, rapaz, só vai pra pior.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

A sua foto.

(
(Ler ouvindo Sua vez - Fatale)


E mais uma vez, eu abri uma página sua de uma rede social e fiquei olhando sua foto. Como eu já sorri olhando praquilo, você não tem idéia. Mas das ultimas vezes, infelizmente não era sorrindo que eu olhava, era com desanimo, com saudade e mágoa misturadas. Porque você tinha que morrer? Porque você tinha que matar tudo que eu sentia? Me obrigar a morrer também. Me obrigar a fingir estar viva pra todo mundo. Me obrigar a não chorar, quando tive vontade de chorar. Vontade de te esmurrar, te dizer que você é um idiota, um babaca, um cretino, um fraco, nunca passou disso. Nunca uma piada sua foi engraçada, nunca você me surpreendeu. Nunca. Mas eu não consigo deixar de pensar em você, a cada dia, a cada ato meu. E quando eu procuro outras pessoas, eu procuro imaginando você me vendo. E tendo ódio de mim. Porque eu quero que sinta ódio. Porque ódio significa alguma coisa, e é melhor que indiferença. Você que já foi tudo, já foi minha esperança, foi meu futuro imaginado, hoje não é nada. Não passa de uma foto numa rede social. Se eu vivo bem sem você, porque eu continuo te olhando? Porque eu sempre volto aqui? Porque eu ouço musicas que falam de tristeza? Por quê? Você não vale isso. Mas eu faço. Eu continuo fazendo. Como uma cerimônia de luto, eu sigo a risca. Mas acontece que você não morreu de verdade, do jeito que eu preferia que morresse. Você está ai vivo, vivendo sua vida, fazendo suas coisas, feliz, tranqüilo, sem sentir minha falta, sem olhar minha foto em rede social. Porque eu não consigo? Porque você não podia ser alguém? Eu esperei muito de você? Não. Eu não esperei nada, eu entendi tudo, eu entendia o que ninguém entenderia. Eu respeitei. Eu fiz como você quis. Tudo. Eu me anulei. Eu deixei de me amar, pra todo meu amor ser só seu. Eu voltei atrás. Eu chorei, eu pedi desculpas, eu agüentei besteiras. Agüentei tudo. Ajuntando do chão, migalhas do seu carinho, migalhas do seu amor. Do seu jeito explosivo e calmo. Um dia me amando como se a terra fosse acabar depois da meia noite. No outro dia um desconhecido me pedindo pra tratá-lo como qualquer um, por favor. Você é meu personagem favorito. O dono de todos os meus textos, de todas as minhas histórias. O dono da curvinha das minhas costas. E eu tenho que dizer isso agora, só pra uma foto numa rede social. Porque você morreu na minha vida. Você pediu demissão, seu cargo era o de presidente, era membro honorário do conselho, tinha tapete vermelho e eu me vestiria até de secretária se te agradasse. E você pediu demissão, sem aviso prévio nem nada. Me diz agora? Como viver bem? Como sobreviver, sem essa ponta de angustia? Eu sou feliz, cara. Eu sou feliz demais. Mas eu sou infeliz demais, quando penso em você. Quando penso no que poderia ser, no que poderia ter sido. Eu sei que não dá. Eu nem quero que dê. Não quero mais. Mas não sei o que fazer com esse nó. Vai passar né? Eu sei. Com o tempo eu não vou mais olhar sua foto, nem sofrer, nem pensar o quanto é infeliz tudo o que aconteceu. Tomara que passe logo. Porque a vontade de te ressuscitar as vezes, me domina.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Crianças.

(Ler ouvindo Um Dia Especial - Cidadão Quem)





Estive me lembrando ontem, de quando te conheci, criança. Lembra? No meio do seu almoço, eu na minha correria, decidi que seria o dia, e foi. Foi lindo. Foi natural, foi nosso. Seu riso incontido, misturado com meu nervosismo, minha vontade de estar ali, com nosso medo. Medo dos outros, até hoje não entendo porque tivemos tanto medo. Medo que se transformou em força, pra não nos separar. Medo que virou ânsia, que virou nada. E nada virou nada, contra a gente. Vou te dizer, criança, às vezes não sei explicar quem nós somos, porque somos, como somos. Sei que somos, e somos muito. Somos tudo, somos a soma, a divisão e o resultado. Somos uma coisa só. Uma mistura, um bem bolado, você diria com seu jeito incerto, descontraído. Uma quebra de regras, a exceção. Nós somos alfa e ômega, eu diria pra te fazer rir. Eu sempre te falei, que a vida é um jogo, é uma surpresa por esquina, cabe a nós aprender a jogar, aprender a blefar contra o sistema, contra nós mesmos, contra a vida. E não é que você acabou me ensinando isso mesmo, criança? Não é que acabamos sendo dois magos e dois aprendizes? A vida tem dessas coisas. Aí vem você e me pergunta na sua angústia, como é que eu saio disso? E eu olho pra você e te digo que também não sei, mas que eu tiraria com minhas mãos a dor, se pudesse. E a gente se encontra, se perde, se acha, se relaxa, se priva, se livra, se engana, se encaixa, se ama. Entre os outros, entre nós, entre tudo, entretanto. Como se as duas almas tivessem vindo do mesmo lugar, tivessem sido feitas para ficar juntas, como se uma conexão maior as prendesse. Porque desde o primeiro abraço, parece que as almas também se abraçaram e os corpos soltaram, mas as almas não. Por isso, te prezo tanto criança, te prezo mais que tanto. Por isso não te solto. Enquanto existirem nossos risos juntos, criança, pode ter certeza, eu continuo escrevendo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O motivo.

(Ler ouvindo Te encontro por aí - Aliados 13)



As vezes me perguntam, porque você escreve? Por gosto, também. Mas o principal é porque quando escrevo me sinto conversando com alguém. E esse alguém é sempre você. Que estaria me olhando com aquele seu jeito calmo, de que não espera nada da vida, absorvendo cada palavra minha. Observando meus trejeitos e rindo das minhas caras. Como você não está mais aqui, comigo, eu precisei escrever pra sentir isso de novo. Não sei se cheguei a te dizer, mas você estava errado sobre muitas coisas. Sobre o modo diferente, que conduzo minha vida, sobre meus ideais. Eu sou mesmo, muito esquisita, viu? Eu ponho fé em tudo que é falido, aposto minhas fichas em pessoas e projetos que ninguém daria nem sequer atenção. Eu acredito naquela lenda antiga da fênix. Acredito na ressurreição da alma das pessoas, não aceito a morte, até que ela me encare de frente e me prove que chegou. Acredito que tudo pode vigorar. Tudo. E você sempre achou isso sonhador demais. Lembra de quando eu tentei salvar a formiguinha com uma folhinha de árvore, sentada no chão, porque ela se perdeu da filinha que ia pro formigueiro? Eu tentei te salvar assim também. Estendi minha mão, te pôs no caminho certo. Mas você sempre voltava a se perder. Como se perdeu, e não voltou mais. E pediu pra eu não procurar, e eu não fui. E eu fiquei aqui, e eu chorei. Mas passou, menino. Passou. Você sabe como é que sou né? Eu não sou de sofrer não. Outra coisa que você estava errado. Eu não gosto de fazer ninguém sofrer. Eu já fiz, eu sei que fiz. Assumo isso, mas assumir é diferente de gostar ou de sentir orgulho. Assumir é se apossar da responsabilidade. Se você soubesse, tudo que já me aconteceu... Você entenderia que meu interior é feito bicho, quando se fere. É instintivo. Machuca pra não se machucar. É medo. É revolta. É receio de sofrer mais. Nunca foi querendo não, menino. Minha alma é branca, é clara, é luz. Eu sou transparente. O que passar disso, é boato. É especulação. Eu tenho proteção melhor do que de todos os santos, de todos os deuses, de todas os orixás, eu tenho pessoas que me amam. Tenho família, tenho amigos, tenho até um amor. Mais do que estar viva, menino, eu aprendi a viver. E por isso eu escrevo, pra te dizer que as vezes sinto sua falta. Que lembro do seus olhos, meio claros, meio turvos me olhando de canto. Mas que sou feliz, sim. Que sou completa, sou inteira. Se algum dia precisar, volta, tá? Eu sei que a vida é diferente aí fora, mas não tem colo, não tem paz, não tem piadas velhas nem nosso bom e velho papo. Até lá, vou ficar por aqui, escrevendo, te vendo em detalhes pequenos, nos outros, em mim mesma, as vezes. Te vendo, por aí. Até o dia em que, se Deus quiser, o diabo permitir, ninguém atrapalhar e minha miopia colaborar, eu te veja realmente, andando por aí de novo.

domingo, 23 de outubro de 2011

Comunicado Importante.

(Ler ouvindo Fallin' - Alicia Keys)


Venho por meio desta, te comunicar que ontem admiti que te amo. Não, não estou dizendo que quero você, nem que acredito na gente. Muito menos isso. Só disse que te amo. Num devaneio, aquelas conversas que só se tem com alguém que confiamos muito, eu admiti. Eu falei do tanto de vezes que penso em você durante o dia. Falei das nossas conversas. Contei de você deitado na cama, me ouvindo cantar no telefone, me perguntando de quem eram as músicas, porque como sempre, você não sabia. E me pedindo pra cantar The Beatles ou Legião. Quando eu falei de você, algo em mim mudou. Eu me rendi ao meu sentimento, e deixei de me render a esperança. Eu sei que nunca vai acontecer, eu sei que nunca vai ser real. E ontem eu me despi desse desejo. Ontem eu falei do meu amor e isso me libertou de você. Porque era difícil te enxergar em todas as coisas sozinha. Era difícil te olhar, do jeito que eu te olhei, dizer não pra você e continuar em silêncio. Sendo que alguma coisa aqui dentro berrava que eu precisava cuspir esse amor. Cuspir pra longe. Porque me sufoca. Engasga. Meus textos só são bons quando eu falo de você, quando eu falo do jeito ridículo que você falava, que você agia comigo. Eu comentei ontem, você é uma piada. Porque eu nunca admiti sentir dor, você sabe, então tudo que eu podia fazer com você era rir, era me fazer lembrar de você, como um motivo de riso, porque chorar de verdade, eu nunca consegui. Dizem que quando a gente ama alguém, nossa vida muda, nos tornamos pessoas melhores, mas pra variar comigo tudo sempre foi ao contrário, me tornei uma louca, te trai, fiz besteira atrás de besteira. Tudo porque eu amava a sua risada sem graça, o seu jeito sem graça, sua falta de atitude sem graça. Tudo porque eu amava a graça que o seu sem graça tinha. E eu sei que eu te fiz crescer, te fiz melhor, te fiz alguém. Pela dor, eu sei. Mas eu fiz. E esse mérito é meu. Eu falei da gente no escuro, falei do sentimento, falei do seu olhar, falei do seu beijo, da sua mão, falei de você, mil vezes. Assim como eu falo o dia todo pra mim, quando vendo alguém com um sorriso de deus grego igual o teu, assim como eu sorrio, lembrando de você imitando neném, pedindo cafuné. Eu sei, eu sei, eu sei, todo esse monte de palavras não vai mudar nada, eu vou continuar com a pessoa que me faz feliz, que me faz rir, que me ama, que me quer, que lê tudo que eu escrevo e me acha única. Eu vou continuar sendo a mesma. Egoísta. E você vai continuar sendo o mesmo, fraco. Lindo. Depois de enjoar de ouvir teu nome, quem estava comigo ontem só conseguiu dizer “Isso não é um final pra vocês...”. Nós dois sabemos, mesmo tendo acabado, não teve fim. Nunca vai ter fim. Eu sempre vou lembrar. Você sempre vai lembrar. Mas nunca vai deixar de ser lembrança. E só.
Atenciosamente. 



quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O dia em que você morreu.

(Ler ouvindo Águas de Março - Elis Regina)


Você morreu numa quarta feira. Era um feriado, era pra ser um dia lindo. Pelo menos, eu tentei de toda forma que fosse. Eu nunca desejei sua morte, sabe? Eu sempre te quis bem. E quando você morreu, eu fiquei realmente triste, eu quase chorei. Não chorei porque era um daqueles tipos de tristezas que a gente só fica em silencio, lamentando. E na volta pra casa, eu não conseguia falar. Porque você tinha morrido... Justo você. O cara diferente. O único que eu me arrependi de ter sido má. Porque você quis ser igual os outros? Porque? Eu gostava era da diferença. Gostava de como eu amava o que eu achava diferente, o que eu achava que era diferente. Você não faz meu tipo, sabe? Nunca fez. Você não é exatamente bonito. Tem ali traços atraentes, um sorriso, olhos, mas nada demais. Você passa longe dos homens que me atraem. Passa não, passava, porque enfim, você morreu. Você nem homem é. Não passa de um menino. Que quando eu falava em sentimento, pegava minha perna e me pedia pra te beijar. E eu achava isso lindo. Quando a gente gosta, qualquer babaquice parece bonita, né? E você era todo bonito. Quando eu pedia carinho e você perguntava que tipo de posição eu tava afim. Quando você me deixou sozinha naquele hospital, quando meu avô morreu e me falou ‘sei lá’. Com tantas coisas que você poderia ter dito, você disse 'sei lá'. E eu achei a coisa mais normal do mundo, mesmo sem achar. Quando você podia ter pego a minha mão, mas pôs a sua no bolso e ficou olhando a vitrine ao lado. E eu gostei. Mesmo assim. Acho que você já estava doente, nessa época. Porque eu passei a não me importar tanto. Eu consegui sair com um babaca que se achava legalzão, num dia que você usou seu bordão ‘hoje não dá’ e eu me irritei. Até que num lindo dia, você se matou, bem na minha frente. Não sei exatamente o que senti, se foi vergonha por mim, por você, por nós dois, pelos outros presentes. Você me largou sozinha lá. E dessa vez eu não senti vontade de te pedir pra voltar, como das outras vezes. Dessa vez eu senti vontade de te enterrar. Porque esgotou. Porque cansou. Porque enjoou. Você pode ter a melhor pegada ou o melhor beijo do mundo, mas meu querido, você não me deu nada além disso. E sem isso eu posso viver, mas sem dignidade não. Que um dia você ressuscite na vida de alguém, e se quer um conselho de viúva: mude. Melhore. Ou você sempre vai morrer. Na vida de qualquer um. Porque ninguém é capaz de aguentar isso. Seu arroubos de homem perfeito e depois suas canalhices. Sua falta de educação. Me perdoe, querido, mas eu não consegui. Foi lindo enquanto durou. E pra ter certeza de que não haverão surpresas, minha última memória sua será a do caixão. A última. Você ainda tentou explicar o motivo, você lembra? Mas quem liga? Mortos não falam. Eu nem consegui responder. Com todo o meu amor e dedicação enquanto pude, mas agora: descanse em paz.



sábado, 15 de outubro de 2011

História.

(Ler ouvindo Yellow - Coldplay)


Estávamos nós dois ali, rindo. Juntos, próximos demais. Porque esse lance de distância de respeito, nunca deu certo com a gente. Sempre fomos meio esquisitos, uma paixão incondicional, até demais. Que nunca deu certo, talvez por isso. Uma amizade com amor demais. Ou um amor com amizade demais. Ou nada disso, ou tudo isso e um pouco mais. Fazia tempo que eu não o via, estava mais forte, mais bonito do que da ultima vez. Mais feliz, talvez, mais vivido. Me contou dos seus casos, suas histórias e eu fiquei olhando e me lembrando de quantas vezes já repetimos isso. Como um ritual. Nós dois nos aproximamos, como se fugíssemos do mundo e nos perdemos de novo. Sem despedidas, sem brigas. Apenas partimos. E voltamos a nossas vidas normais. Ele tinha ido passear com o cachorro no parque, e me ligou, pedindo que o acompanhasse. Para qualquer outro, eu diria não, até porque era sábado, eu tinha compromisso uma hora mais tarde, mas pra ele era tudo ao contrário, pra ele eu abri a exceção. E fui. Nos cumprimentamos meio sem jeito, fomos andando, eu brincando com as mãos dele, ele falando sobre mim, perguntando como eu estava. Quando dei por mim, de novo, nós dois estávamos de pernas entrelaçadas na grama, feito dois adolescentes querendo fazer uma cena de filme. Comentei sobre a cena, o labrador ao lado, deitado, nós dois na grama. Começamos a rir e pensar o quanto nossa história era divertida. A gente se beijou e foi como se nunca houvéssemos nos separado. Tudo nele era natural. Era meu. Era nosso. E ele me fazia rir, como sempre. Quando voltávamos eu admiti que sentia ciúmes as vezes e ele se surpreendeu, eu achei graça. Porque esse lance de amor ter início, meio e fim, só fica bonito quando o Fábio Jr. canta, na minha vida esse amor que teve ínicio a dez anos atrás com uma cartinha apaixonada e selinhos escondidos, foi sempre pelo meio dos outros, pelo meio das nossas vidas e nunca teve fim. É a história mais bonita de amor que eu já vi.



segunda-feira, 3 de outubro de 2011

O murro.

(Ler ouvindo Same mistake - James Blunt)

Esses dias, me peguei seguindo com os olhos as placas que indicavam a saída do estacionamento do shopping e me toquei que é isso que sempre faço, vou embora. É isso que faço de melhor. Abandono. Aí eu me lembrei que essa seria uma das minhas metáforas que só você entenderia e senti aquele murro no peito de novo. Não era, nunca, nunca chegou nem perto de ser o relacionamento dos meus sonhos, foi horrível, foi ridículo. Mas vou te falar, eu tenho sempre esses murros no peito. Quando alguém me fala sobre política, eu me lembro que mudei de candidato no dia da eleição, só pra te contar. E eu podia nem ter votado no seu candidato, só dizer que tinha votado e pronto. Mas não! Eu realmente votei. Sabe que eu ainda sonho com a nossa varanda e o vinho e as piadas? E de novo, o murro no peito. Quando vou atravessar, você rindo do jeito que tenho medo dos carros, o murro. Alguém me conta algo babaca, e dou uma resposta irônica, quero te contar. Murro, murro, murro. Você não era ninguém, não era o mais forte, nem o mais bonito, nem o mais interessante, então porque o murro? E de novo o murro. O seu nome, e o murro. Um carro igual o seu, e o murro. Eu queria tanto que você lesse, e de novo o murro. Você consegue me ver aqui, aquele cara ta me olhando a horas, ele me acha engraçada, ele ta me olhando de um jeito que você nunca olhou. Vem aqui, empurra ele, me olha, por favor. O murro, mil vezes. Aí eu durmo e sonho. Acordo esmurrada. Eu pinto a unha e lembro de você escolhendo a cor. E me dá uma tristeza, de lembrar que nem consegui chorar nossa morte. Eu nem consegui velar nosso fim. Porque nunca existiu fim, nunca existiu começo. Foi tudo coisa da minha cabeça, o murro. Você nunca quis. Murro. Começo a me perguntar, como é possível ver alguém em tantas coisas? Você era todas as coisas.Um milhão de murros e eu ajoelho. Finalmente cai uma lagrima. Peço perdão a Deus por ignorar todas as coisas bonitas que ele fez, enquanto eu só enxergo você. Me levanto novamente, enxugo a lágrima. Pego minha bolsa, preciso sair. Ligo o rádio, uma música dos The Beatles. O murro.