quarta-feira, 19 de outubro de 2011

O dia em que você morreu.

(Ler ouvindo Águas de Março - Elis Regina)


Você morreu numa quarta feira. Era um feriado, era pra ser um dia lindo. Pelo menos, eu tentei de toda forma que fosse. Eu nunca desejei sua morte, sabe? Eu sempre te quis bem. E quando você morreu, eu fiquei realmente triste, eu quase chorei. Não chorei porque era um daqueles tipos de tristezas que a gente só fica em silencio, lamentando. E na volta pra casa, eu não conseguia falar. Porque você tinha morrido... Justo você. O cara diferente. O único que eu me arrependi de ter sido má. Porque você quis ser igual os outros? Porque? Eu gostava era da diferença. Gostava de como eu amava o que eu achava diferente, o que eu achava que era diferente. Você não faz meu tipo, sabe? Nunca fez. Você não é exatamente bonito. Tem ali traços atraentes, um sorriso, olhos, mas nada demais. Você passa longe dos homens que me atraem. Passa não, passava, porque enfim, você morreu. Você nem homem é. Não passa de um menino. Que quando eu falava em sentimento, pegava minha perna e me pedia pra te beijar. E eu achava isso lindo. Quando a gente gosta, qualquer babaquice parece bonita, né? E você era todo bonito. Quando eu pedia carinho e você perguntava que tipo de posição eu tava afim. Quando você me deixou sozinha naquele hospital, quando meu avô morreu e me falou ‘sei lá’. Com tantas coisas que você poderia ter dito, você disse 'sei lá'. E eu achei a coisa mais normal do mundo, mesmo sem achar. Quando você podia ter pego a minha mão, mas pôs a sua no bolso e ficou olhando a vitrine ao lado. E eu gostei. Mesmo assim. Acho que você já estava doente, nessa época. Porque eu passei a não me importar tanto. Eu consegui sair com um babaca que se achava legalzão, num dia que você usou seu bordão ‘hoje não dá’ e eu me irritei. Até que num lindo dia, você se matou, bem na minha frente. Não sei exatamente o que senti, se foi vergonha por mim, por você, por nós dois, pelos outros presentes. Você me largou sozinha lá. E dessa vez eu não senti vontade de te pedir pra voltar, como das outras vezes. Dessa vez eu senti vontade de te enterrar. Porque esgotou. Porque cansou. Porque enjoou. Você pode ter a melhor pegada ou o melhor beijo do mundo, mas meu querido, você não me deu nada além disso. E sem isso eu posso viver, mas sem dignidade não. Que um dia você ressuscite na vida de alguém, e se quer um conselho de viúva: mude. Melhore. Ou você sempre vai morrer. Na vida de qualquer um. Porque ninguém é capaz de aguentar isso. Seu arroubos de homem perfeito e depois suas canalhices. Sua falta de educação. Me perdoe, querido, mas eu não consegui. Foi lindo enquanto durou. E pra ter certeza de que não haverão surpresas, minha última memória sua será a do caixão. A última. Você ainda tentou explicar o motivo, você lembra? Mas quem liga? Mortos não falam. Eu nem consegui responder. Com todo o meu amor e dedicação enquanto pude, mas agora: descanse em paz.



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