Ler ouvindo Ainda não passou.
Hoje quando acordei me perguntei se você teria colocado seu celular pra despertar. Aí lembrei que isso não importa mais, porque você já não faz parte da minha vida e não deveria fazer parte dos meus pensamentos. Tomei meu café amargo e comi umas fatias de pão. Tomei mais café. Troquei de roupa duas vezes, porque a previsão do tempo disse que iria chover. Lembrei de você dizendo que não acreditava na previsão do tempo e achei engraçado pensar nisso, porque você acreditava em cartomantes. Fiquei triste por só ter uma xícara pra lavar. Arrumei tudo com pressa e sai pra trabalhar. No caminho, encontrei alguns conhecidos e sorri, como se nada tivesse acontecido. As vezes eu tenho a impressão de que as pessoas me olham com pena ou como se me perguntassem com os olhos como estou sobrevivendo. Acho que disfarcei bem. No trabalho foi tudo normal. O chefe perguntou das olheiras e disse que estou trabalhando num novo projeto. Tive novas idéias, almocei com uma moça do segundo andar. O rapaz da mesa do lado reparou que eu estava chorando a tarde, mas não disse nada. Na volta pra casa, as coisas foram piores. Perdi a chave na bolsa e não pude te ligar pra perguntar onde você estava, se iria demorar. Você não iria chegar. Você nem tem mais a cópia da minha chave. Achei a chave na bolsa e entrei em casa. Fui tomar banho e o chuveiro não esquentava. Bati com o rodo nele e funcionou. Esqueci de pegar a toalha e molhei a casa toda. Sentei no chão da lavanderia e chorei, porque você não iria reclamar da casa molhada. Você nem iria saber que ensopei o corredor inteiro e que espanquei o chuveiro pra água ficar quente. Eu preciso que essa porra de dor diminua um pouco. É tão estranho constatar que não saber dessas coisas parece não fazer diferença pra você. Ontem eu não jantei. E daí? Você tem outra vida, agora. Pegou nossos planos e jogou no lixo. Disse que era uma loucura tudo isso, que estávamos nos precipitando. É verdade. Eu me precipitei. O desamor tem gosto de comida velha, é rançoso. Você era mesmo tudo aquilo que as pessoas diziam. Meu coração tá dilacerado. E você, onde deve estar agora? Por aí. Com a sua vida vazia e seu copo cheio. Até quando? Eu te dei meu mundo. A cópia da chave e a fotografia da estante. Mas você foi embora. Eu aprendi a beber água, hoje bebi umas cinco vezes, talvez mais. Eu também comprei aquele DVD que você queria. Estava em promoção na internet. Comecei a escrever um livro. Aquele rapaz da academia me ligou e eu atendi. Trocamos algumas palavras, mas a verdade é que acho ele um saco. Acho tudo um grande saco. A vida é um porre, sem você. O desamor é uma ressaca eterna. E essa é uma teoria muito boa, porque me leva a pensar que estava bêbada ao te amar. O efeito é passageiro. Pra você passou tão rápido. Eu sempre fui fraca pro álcool. Sempre fui fraca, por você. Parei de tomar calmantes, mas minha alergia continua uma droga. Tá legal, eu sei que isso não importa, mas me deixa escrever, tá? Me deixa fingir que você vai ler e entender cada linha. Me deixa fingir que o tempo não passou. É estranho não ter você de platéia pra me observar cozinhar.
Voltar pra casa é uma merda, cara. Mas tudo bem, eu vou dormir.