sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Cartinha.


(Ler ouvindo Acrilic on Canvas - Legião Urbana)

Querido Papai Noel:
Outro dia, me deparei com os caminhões da Coca-Cola causando transtornos numa avenida do centro e me dei conta de que estava chegando o Natal. Lembrei de toda a magia, toda a luz que o Natal trazia pra minha infância. Lembrei de como era bom pensar que o senhor realmente existia, e que se preocupava comigo. Alguém que desejava que eu fosse uma menina boa e me dava presentes. Eu cresci e infelizmente a magia acabou. Mas esse ano, eu preciso muito do senhor. Eu preciso que alguém me entenda. Eu sei que não fui uma boa menina, não fiz caridade, não ajudei velhinhas atravessar a rua e não comprei biscoitos dos escoteiros. Mas te garanto, minha felicidade em ganhar um presente de verdade nesse Natal será maior que a de qualquer um. Esse ano eu tentei de tudo, Noelzinho, tudo. Eu rezei, eu chorei, eu pedi pros céus, pros infernos, pra fada dos dentes, pra estrela cadente, joguei moeda em poço, dei três pulinhos, chamei até a loira do banheiro, eu implorei pra natureza, pro mundo me fazer esquecer dele. Mas hoje eu me dei conta que eu to fazendo tudo errado, que eu não quero esquecer. Eu sei que o quanto ele me dói, Noel. Só eu sei. Só eu sei o peso que é esse sentimento. Mas ao mesmo tempo, eu sei o quanto era difícil não ter motivos pra me levantar antes dele. Depois que ele me deixou, eu venho acordando todos os dias desejando ser alguém, ser melhor. Melhor pra mim, pra ele talvez. O senhor não sabe o que é se arrumar todos os dias pensando num possível encontro, sem querer. Um carro que passa, e aquela angústia de segundos... é ele? Não, não é. Alívio. E quando é? Coração na garganta, passou. Ele me viu? Viu, eu sei que viu. O senhor não sabe como é bom escrever, sabendo que ele vai ler e entender cada palavra. Isso não é atraso de vida, não seu Noel. Eu to na minha, to levando, empurrando um lado, adiantando o outro. Mas to bem, to tranqüila. As vezes bate aquele desespero e tal, mas logo passa. Não me deixa esquecer dele. Eu não tenho nem coragem de pedir pro senhor ele pra mim. Porque seria como daquela vez, quando eu tinha oito anos e pedi pro senhor nunca deixar meu avô partir. O tempo passou e ele partiu. Porque não existe isso. A vida é de cada um. Ninguém pode ter ninguém. E pra sempre não existe. Mas minha lembrança pode durar, não pode? Eu só quero me lembrar. Só quero que dure dentro de mim. Só quero não espatifar esse sentimento. Só quero sentir. Que ele viva outra vida, que seja feliz, que tenha tudo o que quiser. Mas que lembre de mim, também. Que fale de mim pra algumas pessoas, poucas. Que conte como eu era louca e ria o tempo todo. Eu quero que ele conte como eu assustei ele com o meu jeito de querer demais e amar demais. E que mesmo assustado, ele me amou como nunca. Mas que não deu. Acabou. Por favor, Noel. Não me deixa perder essa lembrança. Eu não te peço nada, faz tanto tempo. Eu nem reclamei quando eu pedi a Barbie e o senhor trouxe a Susi. Não tira de mim a magia de sentir. Não me deixa ser fria. Eu não quero me perder. Se não for incomodo também, me traz um pouco de paixão. Aquelas com cheiro de novo. Com gosto forte. Sem longo prazo. Sem cobrança, sem lembrança. Só pra eu aproveitar um pouco esse Natal sem magia. Que nós dois possamos continuar bons amigos, Noel. Mesmo que nossa relação seja assim, tão unilateral. Sempre eu pedindo, sempre o senhor me ajudando.
Desde já obrigada. Pela atenção, pelo cuidado.
Obs: Te espero pra ceia, este ano o senhor não escapa e vai beber umas comigo.


4 comentários:

  1. Legal! Escrevi um conto de Natal, também... não foi destinado ao Noel, mas... saudades daquele tempo que brinquedo era suficiente, né? Agora vc precisa correr atrás... dele. Um grande abraço!

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  2. Eu entendo, cada palavra.

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