quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A menina das pintinhas.

(Ler ouvindo De Janeiro a Janeiro - Roberta Campos e Nando Reis)



“Eu acho bonitas suas pintinhas perto do olho”. E eu que passei a vida toda escondendo-as com base e corretivo. Eu já recebi elogios muito maiores, melhores, com mais ênfase, com mais malícia, mas nenhum elogio no mundo foi tão lindo quanto esse, pra mim. “Enquanto você se escondeu no meu ombro, eu fiquei olhando suas pintinhas”. Você não imagina o quanto eu chorei com isso. Nunca vai imaginar. Porque eu nunca vou dizer. Mas foi tão lindo, foi mágico. Eu senti um amor tão puro, tão bonito, que eu não imaginava nem existir. Porque eu não sou pura, eu não sou bonita, sabe? Eu tenho a alma má. Eu fui má com você, fui má ao extremo, não por querer ser, você nunca me fez mal algum, pelo contrário. É da minha essência mesmo. E você amou as minhas pintinhas. Você amou a minha essência ruim. Você me abraçou mesmo depois de tudo. E quis viver meu mundo, e quis conhecer o que eu sou. Eu não sou boa, sabe? Eu penso maldades, eu faço maldades, a minha simpatia é maldosa. Mas aqui dentro eu sou uma menina, eu sou uma menina com pintinhas perto do olho. Uma menina boba que falava com você todos os dias, porque amava a sua voz meio rouca, meio sem jeito de falar. Você não sabe falar, sabia? Você se perde. Eu amava o seu ‘não saber’. Porque era seu. Porque é seu. Eu acho mesmo, que eu te amo. Eu te amo, porque você não sabe. Você não sabe cantar. Você sequer sabe uma musica de cor. Você nunca viajou. Você não discute sobre política, nem religião, nem nada. E eu daria tudo pra ser como você. E ter a alma que você tem. E ser exatamente quem você é. Porque é tão lindo, sabe? Você ri de um jeito tão lindo. E você não sabe fazer carinho, você fica sem jeito. E me olha quando eu não to te olhando, mas na verdade eu to vendo, sabia? Eu sempre vejo. E se interessa pelas bobeiras que eu digo, ri das minhas graças. Porque eu sou engraçada né? Eu sou irônica. Eu sei responder as pessoas, eu sei argumentar, eu sei escrever. Grande merda né? Eu trocaria tudo isso pelo seu sentimento sincero. Eu trocaria essa merda toda, pelo seu sentimento. Porque você é diferente, sabe? Eu nunca me importei em magoar ninguém, nunca mesmo. Mas com você, doeu. Eu voltei atrás, eu pedi desculpas, eu chorei. Eu choro ainda, as vezes. Ninguém nunca vai saber disso. Mas eu choro. E as vezes quando eu  chorava no telefone e dizia outro motivo, era por eu não querer sofrer, e já estar sofrendo. Eu não quero te amar. Eu não quero, porque eu sei que não sou eu que você ama. Mas no escuro, foi tão bom. Foi comigo, não foi? Diz que foi comigo. Diz que era eu? Era eu. E você fala de um jeito diferente comigo e você sorri. E fica sem graça do meu lado. E quando a gente foi fazer compras você bateu nas minhas costas igual faz com sua mãe, porque não sabe demonstrar sentimento. Eu não sei se vai dar certo, tenho quase certeza que não. Mas eu gosto de pensar que é eterno agora. Eu não imaginei, menino. Juro que não. Eu sei que você vai ser bom no que fizer. Porque você é foda, sabe? Você só não sabe ser. Mas você é. Esses dias me disseram que você não tinha cultura e eu ri muito, porque você é cultura pra mim. Eu comecei ouvir aquelas bandas malditas desconhecidas que você ouve e comi clubsocial com o salzinho pra baixo. Eu vesti sua camisa, vesti sua vida, me vesti de você. Acontece que eu nunca vou te dizer isso. Nunca vou dizer que a minha única vontade é que você me tire dessa merda toda que eu vivo e digo que sou feliz. Porque eu não sou feliz, sabe menino? Eu não sou. Sempre que eu sou irônica é tristeza disfarçada. É solidão, é carência. Eu não consigo me sentir sozinha, me faz mal, me dói, me arde, me incomoda. Enquanto você sempre foi sozinho né? Eu também sempre fui, mas de alma. Em volta de mim, tem quatrocentas e oitenta e sete pessoas, mas eu não ouço nenhuma delas, elas só servem pra rir das minhas ironias e pra eu voltar pra casa e pensar o quanto sou diferente delas. Eu queria tanto ser como você. Eu te prometi uma vez, e vou cumprir, mesmo que você suma amanhã, mesmo que eu nunca mais te veja, meu filho vai ter seu nome. Porque seu nome me lembra coisas bonitas, lembra anjos, e me lembra você. E você não deixa de ser um anjo né? Você me salvou. Eu não sorrio mais pra tudo. Eu não minto mais, menino. E mesmo que nada de certo, e mesmo que nada seja do jeito que eu sonhei, do jeito que eu sonho as vezes, mesmo sem fé, eu quero que leve de mim, a menina das pintinhas. Que fala com voz de bebê e te abraça muito forte no escuro, porque tem medo. Mesmo que nada de certo, eu já andei quilômetros a frente do que eu era. Eu dormi sorrindo. Eu dormi, menino, eu dormi. E eu tive vontade de ser melhor. Isso ninguém nunca vai tirar de mim. Obrigada por beijar o sapo transformando ele numa princesa.



2 comentários:

  1. Parece que você me conhece e fez esse texto baseado na minha história... demais, adorei!

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