sábado, 28 de setembro de 2013

Deixa.



  (Ler ouvindo O meu amor - Chico Buarque)

Você sabe que eu odeio pedir. Sabe que fico toda sem graça, que não sei como começar a falar e acabo falando tudo de uma vez, daquele jeito que você mal entende o que eu digo, porque falo uma palavra por cima da outra, atropelando o sentido delas. Você sabe que eu adoro quando você faz o que eu peço. E te abraço, olhando pros teus olhos enquanto sorrio e te beijo de mansinho. Você sabe coisas demais, sobre mim. Sabe da minha vontade de sempre ficar cinco minutinhos a mais com você e de estar pronta, sempre cinco minutinhos antes de te ver. Você sabe minhas pintinhas do rosto, de cor. Você sabe o meu sorriso. Sabe onde tenho arrepio e onde sinto prazer. Você sabe minha existência, como ninguém. Mas você não sabe que tenho uma lista de coisas pra te pedir, hoje. E eu vou falar uma por uma, sem atropelar as palavras ou esconder a cara na almofada. Eu quero te pedir pra nunca deixar de sorrir, enquanto você me olha e acha que eu não to te vendo. Acho que é o momento da minha vida em que eu mais me sinto bonita. Eu quero te pedir, pra nunca deixar de ser teimoso e chato, do jeito que você é. Eu não iria te amar tanto, se eu não me irritasse com você a cada meia hora. Eu quero te pedir pra sempre me deixar sem graça e falar aquelas bobagens que você diz, rindo. Eu quero te pedir pra parar de tentar fazer ovo mexido, porque você sempre poe pimenta ou sal demais. Ou as duas coisas. Eu quero também, que você sempre esqueça de coisas importantes pra que eu possa te lembrar e ouvir você dizer que não seria nada sem mim. Mesmo que isso soe exagerado. Eu quero que você nunca se canse de me agarrar, pelos cantos da casa. Quero te pedir pra não perder essa voz mansa, que fala meio dormindo que não tá dormindo, não. Tá só curtindo meu abraço. E eu sei que tá dormindo, mas eu concordo mesmo assim. Eu quero que você compre um despertador mais potente e que pare de me fazer cócegas. É mentira, eu não quero, não. Eu quero que pare de dizer 'Mentira!' quando eu digo algo que te irrita. Porque isso me irrita mais ainda e você sabe disso. Eu peço que você nunca deixe de enxergar em mim, a mulher que as vezes, nem eu enxergo. Eu peço que você tenha sempre paciência pras minhas TPM's e pros meus exageros. Eu quero pedir pra você ficar sempre sério, quando estou rindo porque fica ainda mais engraçado, seja lá o que for. E que sempre ria, quando eu estiver séria, porque eu nunca resisto ao seu riso. Quero que entenda que não ligo se engordou cinco quilos ou se fez a barba, eu sempre vou amar o seu sorriso quadrado e os seus olhos de menino. Eu quero te pedir, pra nunca ir embora. Do jeito que eu pedi, quando você disse que ia. Eu te peço pra não me deixar, nunca. Porque sem você, eu teria aquele vazio que eu tive a vida toda, de ter tanta gente, tantas histórias e tantos verões, mas nunca sentir nada. Nunca sentir vontade de ficar um pouco mais. Com você, eu senti vontade de ficar pra sempre. Com você, eu me perco numa saudade que não dura dois dias. Diz pra mim, que não importa se eu estiver de salto ou com seu moletom, diz que vai me amar e pronto. Diz que meu passado não importa e que as nossas vírgulas são pra dar um charme na nossa história. Deixa eu dizer pra você sair de perto de mim, enquanto te abraço forte no sofá e você ri. Deixa eu ser assim, toda artista e achar que sei de tudo. Deixa eu te amar, do jeito que eu sei. Deixa eu te fazer rir, encostar em você e te beijar o pescoço enquanto você vê tv. Deixa a gente ser sempre assim? 
Deixa esse nosso amor ser a coisa mais bonita que já me aconteceu. 
Deixa esse amor virar história, nos meus versos. 
Deixa? Você sabe que eu odeio pedir. Deixa, vai.










terça-feira, 24 de setembro de 2013

Sobre as coisas que não cabem aqui dentro.



(Ler ouvindo Cegos do Castelo - Nando Reis)

Como quem faz uma faxina num armário velho, eu fui me desfazendo aos poucos de tudo que estava por aqui, mas que não me acrescentava. E mesmo com a dificuldade em lidar com pó, eu fui firme. Joguei tudo fora. Aos poucos, para que o vazio não me assustasse. O que fica, é o essencial. São pessoas, bem poucas. Simples, bonitas, de alma clara e de verdade. Ficam as lembranças boas, de tudo que já foi. Os aprendizados, os professores. As lutas, as vitórias. As derrotas que me fizeram crescer. O que fica é o que importa. É o que cabe dentro de mim, sem apertos. O que vai já não tinha nome. O que vai são objetos antigos e poeira. Velharia. Deixei do lado de fora de casa, tudo que eu acho que servirá algum dia pra alguém. Mas o que já me trouxe dor, eu joguei direto no lixo. Como uma terapia, um momento de despedida a todo aquele sofrimento antigo, sem valor. Depois me lavei, como se a água por fora conseguisse limpar qualquer resto da poeira que restasse por dentro. E depois disso dormi. Dormi como quem fez um esforço braçal tremendo. Dormi pra tirar todo o peso do sentimento que foi embora. Só quem já esvaziou o coração, sabe o barulho do vento no vácuo, na curva. E eu sei... Sei que ainda vou repetir esse processo muitas vezes, pois quem muito viaja, muitos suvenires compra. E na hora eles parecem bonitos, mas de beleza a gente se enjoa. No fim, tudo vai parar no armário de tralhas. Além das roupas velhas, vestígios de quem já foi, pedaços de história e tudo que o vento soprou pro lado de cá. As lembranças vão sempre ficar, mas o espaço... o espaço é preciso estar limpo. Peço desculpa se te deixei pra trás em alguma delas, mas foi preciso. Meus olhos preferem olhar sempre em frente.
A viagem é longa e o bagageiro pequeno. Avante!










terça-feira, 17 de setembro de 2013

De mim.


(Ler ouvindo Hey Jude - Paul McCartney)


Eu tenho manias estranhas, talvez você nem saiba. Pouca gente sabe. Eu tenho o costume de olhar as estrelas, a noite. Deitar no chão da garagem e contar os pontos brilhantes do céu. As vezes, vejo até estrelas cadentes, sempre faço um pedido. Aliás, você já foi um pedido pra uma dessas estrelas. E você veio, mesmo. Tenho mania de decorar poesias e nomes de rua. Eu sou um tanto louca, eu sei. Mas quem não é? Eu costumo me sentir pesada, quando chove. Como se a chuva caísse lá fora e inundasse aqui dentro. Eu tenho fantasmas, que aparecem as vezes. Alguns deles tem nomes, outros eu prefiro que não tenham. Alguns me tiram pra dançar, no meio da noite. Outros sentam ao meu lado e esperam que eu durma. Eu falo muito sozinha. Acho que tem a ver com minha infância, eu sempre fui muito sozinha. "Criança que é sozinha, acaba virando adulto de alma sensível", o terapeuta disse pra minha mãe há alguns anos. Meu avô dizia que tenho alma de artista. Uma vez, uma cigana disse que tenho alma de borboleta. Eu, na verdade, não sei. Sei que tenho alma, sei que ela dói as vezes. Não é fácil ser coração em mundo de tecnologia avançada. Não sei ser meio termo, não sei beber leite morno, nem abraçar com um braço só. Eu amei você, desde que eu te vi. Só que eu não sabia amar. E nem sabia dessas voltas que a vida dá. Eu sei que tenho cara de quem sabe tudo, mas não sei. Eu sei falar sobre arte, sobre política e religião. Mas o amor é um mistério, pra mim. Eu sinto ele em cada célula, do meu corpo. Mas não consigo explicar, nem pra mim e nem pra você. Eu já tive medo da vida. Hoje, não sinto medo nem mesmo da morte. Sei que a vida é uma estrada sem volta, sem espaço pra voltas ou retrocessos. Todo dia é uma dádiva. E o milagre sou eu, é você, somos nós. Acredito em Deus. Acho que ele acredita em mim, também. E é isso que me motiva a seguir em frente. Ter fé é essencial, pra vida. É outra das minhas manias, ter sempre fé. Mesmo quando dá tudo errado e parece que não vai dar pé. Mesmo quando a coisa tá preta, sabe? Sempre tem uma luz. Sempre tem um jeitinho. Falando francamente, não sou  das melhores pessoas que já conheci. Nem das mais bonitas. Mas sou de verdade, entende? E se você quiser ficar, eu juro que vou ser sempre de verdade. Eu juro que vou ser sempre amor. Mesmo que doa, mesmo que no final eu fique sozinha. E se você for embora, eu vou arranjar um jeito de pintar a vida de outra cor. Vou encher a casa de flores diferentes e mudar os discos da vitrola. Mas eu não quero pensar nisso. Eu quero é pensar no agora. No hoje. O amanhã é lindo, justamente porque é um a folha em branco. E você sabe que eu não resisto, eu adoro escrever. Acho que fazer história é minha missão. É minha mania mais estranha e minha sina. Escrever é me livrar dos fantasmas. É dançar sozinha pela casa, ouvindo meu jazz. Escrever é descobrir, porque só quando escrevo tenho noção de quem sou. Sensível, artista e borboleta.










quinta-feira, 12 de setembro de 2013

A gente.

(Ler ouvindo Toda forma de amor - Lulu Santos)

O meu melhor amigo, foi meu primeiro amor. Ou o meu primeiro amigo, foi meu melhor amor. Não sei ao certo... Somos maiores do que esses status, ele diz com o peito estufado, enquanto tomamos café, numa padaria cara. Não nos vemos sempre, porque nossas rotinas não permitem e porque a liberdade faz parte do nosso amor. Ele tem aquele cabelo bagunçado, que dá vontade de bagunçar mais e sempre implorei pra que ele não corte, porque aquele ar de menino faz parte dele. Ele nunca se importa se estou de chinelo ou salto, sempre me abraça com aquele cheiro de perfume que eu já senti em mil homens, mas que só fica bom nele. E falamos sobre tudo. Sentamos num restaurante chique, na guia da calçada, num banco de praça, num teatro ou como sempre foi, no banco da escola. Sim, desde a época em que eu não tinha curvas e ele não tinha altura. A gente sentava e ria. E olha que tentamos de tudo. Namorar, afastar, separar, brigar, ser somente bons amigos. Mas nada funcionou. A verdade é que somos pra sempre assim, livres. A pureza dos olhos dele combina com a minha ironia explícita. E os braços dele tem a medida certa das minhas costas. A nossa risada é idêntica, é fácil, sem medo. Ele não foi meu primeiro namorado, nem eu a grande mulher da vida dele. Mas somos aquela parte calma do sentimento. A leveza, o carinho, a dedicação. Somos a paz de termos um ao outro. Pra uma tarde de compras chata ou a grande inauguração da peça que ele ajudou a produzir. Pra me dar a mão e me fazer rir, enquanto o mundo desaba lá longe. E eu o amo, porque ele nunca vai embora. E mesmo quando vai, me deixa com a sensação de que não foi. E quando nos vemos de novo, é como se ele realmente tivesse ficado. Ele prefere Rita Lee, eu gosto mais do Baleiro. Ele usa óculos e eu deveria, mas não uso. Ele inventa palavras, canta, atua e dança. Eu escrevo. Lembro ainda, do dia que eu falei aflita pra ele, em uma de nossas crises “Amor não basta, eu preciso que cuide mais de mim, preciso que se importe”. E nós choramos. E depois rimos desavergonhados de todo aquele absurdo que tínhamos encenado. E continuamos juntos. Separados. Longe, perto. Sem cobrança, sem status, sem nome nem sobrenome. Sem alianças, nem promessas. Apenas presença e sentimento. Ausência e saudade. Achei outro dia um texto que ele me escreveu, me descrevendo como um mar, ironia cara e indiferença, absoluta, doce, clara. E mesmo me vendo descabelada, com cara de sono, olhos marcados de choro, uniforme escolar, vestido de formatura, alianças de outros no dedo, cabelo curto, comprido, médio, loiro, escuro... Ele sempre me viu por dentro, sempre viu o invisível. Entendi o poder do nosso sentimento, do nosso elo. Ri de novo, lembrando do meu desespero, dizendo que amor não bastava. Amor basta, sim. Sempre nos bastou. É só o que basta.







quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Mais uma carta pra você.

(Ler ouvindo Sometimes You Can't Make it On Your Own - U2)



Oi vô,

To te escrevendo, porque hoje é uma data mórbida demais e eu precisava falar de coisas boas. Eu precisava tanto falar com você, perder tardes inteiras sentados perto da parreira, ouvir suas histórias de quando eu nem existia e contar minhas novidades bestas, pra te fazer rir. Hoje fazem dois anos que você foi embora. Você foi e deixou tudo que era seu, por aqui. As suas roupas ficaram amassadas no armário, denunciando o seu desleixo pelas coisas materiais. Elas ficaram esperando ser dobradas e depois foram, mas não por você. Elas foram dobradas e dadas pra terceiros. Os seus remédios, ficaram perto do filtro de água. Na sua carteira, ficou uma foto minha. No último Natal, eu encontrei ela. Foi como sentir seu abraço de novo, foi como por alguns segundos sentir o seu amor. Tem um texto da Clarice, que diz que "saudade é um pouco de fome". Eu concordo, sabe? Quando penso em você, eu sinto um aperto na boca do estômago. Eu sinto como se fizessem dias que eu não colocasse algo na boca. Acho que é normal, né? Ninguém mais conseguiu fazer com que eu me sentisse tão livre quanto eu era, do seu lado. Eu sinto saudade da sensação de estar do lado de alguém sem ser julgada ou rotulada, pelo que quer que fosse. Eu sinto saudade de ser amada, só por existir. Hoje em dia, tem gente que tá até cansado de ouvir falar de você, sabia? Vivo fazendo suas piadas, também. E elas nem tem tanta graça, mas me dá uma alegria enorme repetir suas palavras. As coisas mudaram tanto, vô. Tanta gente foi embora da minha vida, tanta gente nova chegou. Eu acho que você nem me reconheceria, hoje. To mais bonita, to mais mulher. Meu cabelo tá comprido, você iria achar lindo. Também to saindo mais. Encontrei um cara legal, finalmente. Tá bom, eu confesso: você tava certo quanto ao último, ele não era o cara certo. To escrevendo bastante. To fazendo o que eu gosto, do jeito que você sonhou. To cuidando da mãe e pintando as unhas, toda semana. To me dando bem com as sorellas. Finalmente, to me dando bem com o pai. Acho que você iria ficar feliz, você sempre dizia que eu deveria servir de união pra família bagunçada que a gente tem. Sempre passo por onde a gente passava. As coisas parecem tão iguais, que sempre tenho a impressão de que vou te ver, caminhando por ali. Guardei nossas cartas e tenho uma pasta com suas músicas clássicas, que ouço sempre. Vou fazer uma tatuagem: a sua assinatura no meu pé. E não aceito sermões, vou fazer e pronto. Quero te ter, em mim. As vezes, eu sinto aquela angústia que eu te falava. Ainda tenho aquele cansaço de me doar tanto e sempre me sobrar tão pouco. As vezes sou de tanta gente, que esqueço de ser minha. Esses dois anos, passaram devagar demais. A sua ausência é quase uma pessoa. E as vezes, ela me abraça. Sabia que café nenhum é melhor que o seu? Só descobri isso agora. Nenhum tem o mesmo gosto, nem o mesmo cheiro. Nunca mais achei aquelas xícaras largas e rasas, que a gente usava. Dizem que com o tempo, a saudade diminui ou a dor passa. Eu não acho que seja assim. Acho que eu só aprendi a conviver com sua ausência. A saudade é sempre maior. Aquele aperto no estômago que te falei, é praticamente um soco. É a vida me dizendo que o tempo passou, que você foi embora e não volta e que meu amor ficou perneta, sem você. 
Mas deixa isso pra lá, eu precisava falar de coisas boas e você nunca gostou de falar de problemas.
O meu amor vai ser pra sempre seu, viu? Meu coração, meus versos mais doloridos e o nome do meu filho.
Obs: Se cuida, não deixa de usar blusa - não sei como é o clima aí no céu - e guarda seu assovio no bolso, por mim.
"(...) Can you hear me when I sing?"