(Ler ouvindo Eu te amo- Chico Buarque)
Eu nunca consegui conviver com a simplicidade do sentimento.
Nunca consegui me deixar levar pelo simples. O óbvio, o natural. Sempre fui o
avesso, a controvérsia, a exceção, a ovelha desgarrada do rebanho, a louca que
nada contra a maré. A louca que nunca admitiu ser amada. Nunca se permitiu, se
deixou levar. Será amor, perder o controle? Essa bobagem de ficar cego e rindo
pras paredes, nunca me impressionou. Nunca me interessou. Eu sempre esperei mais.
Sempre exijo mais. Até que você apareceu, rindo a toa, falando com o canto da
boca e não me deixando brechas. Não me dando escolha, não me deixando ar.
Quando me senti sufocar, você me salvou. Com aquele sorriso confiante no rosto,
de quem já passou por todos os medos do mundo e venceu. Aquela mão que me
segurou firme. Nos seus olhos meio verdes, meio amarelos, meio transparentes eu
entendi que amor existia. Eu entendi que amor não tinha nada a ver com ficar
cego, nem com viveram feliz pra sempre. Amar é salvar. Amar é estender a mão e
tirar a pessoa do escuro. Amar é mostrar a luz. Quanto mais eu te pedia pra
chegar mais perto, pra me mostrar mais luz, mais amor, vem cá, vem, mais você
encostava no meu colo e me pedia pra te ensinar a falar. Lia meus lábios e
copiava as palavras. Feito criança, absorvia as palavras, as histórias, as
experiências. Você me salvou, você disse um dia em que eu te mostrava livros de
um escritor francês. Amar é salvar. Todos nós temos um escuro. Um medo, um
monstro dentro do armário, você sorria enquanto as palavras brotavam do canto
da sua boca, meio torta, desenhada. Aí vem o amor e nos mostra como enfrentar.
Como vencer. O resto, a gente inventa, a gente não é igual a eles. A gente vai
ultrapassar o pra sempre. Essa foi a sua frase que mais me marcou. A frase que
me fez dormir abraçada na minha blusa, sentindo seu cheiro quando você foi
embora. A frase que esmurrou meu peito, que me inspirou pra tantos textos. Você
foi embora e acabou. Achei que ia morrer, mas sobrevivi. E quem morre de amor?
Amor é salvação e não morte, eu entendi depois de um tempo. To escrevendo dessa
vez é pra dizer que estou amando de novo. Amor diferente, eu confesso. Mais
racional, sem todo aquele encanto do primeiro. Mas o amor voltou, pra mim. Ele
decidiu me dar mais uma chance. E to feliz, sabe? To me amando muito, to amando
a nova vida. E eu que achava que nunca mais ia usar essa palavra. Você me
salvou, você me ensinou. Do seu jeito torto, meio rindo demais, com piadas e
tênis velhos. Você sempre vai ser o meu salva-vidas. O meu redentor, eu diria e
você riria sem graça. Hoje eu entendo cada palavra sua, cada gesto. Não existe
dor, não existe mágoa. Amor não permite isso. E o resto eu inventei, a gente
inventou. Porque hoje eu entendo, hoje eu sei. Nós não somos iguais a eles.